Um estudo com várias centenas de ensaios clínicos randomizados em oncologia revelou que houve alteração no desfecho primário em cerca da metade dos ensaios, na maioria dos casos sem qualquer transparência.
Os ensaios clínicos randomizados duplo-cegos são a ferramenta mais robusta para avaliar a eficácia clínica de um tratamento, desde que seu desenho e a análise dos resultados sejam suficientemente rigorosos para garantir a produção de evidências de alto nível — especialmente em relação ao desfecho primário [1].
Um estudo conduzido por pesquisadores dos Estados Unidos analisou as alterações realizadas nos desfechos primários utilizados para avaliar a eficácia de medicamentos durante ensaios randomizados. Os ensaios foram identificados por meio do registro norte-americano de ensaios clínicos ClinicalTrials.gov, desde seu lançamento em 2000 até fevereiro de 2020 [2,3].
O estudo incluiu 755 ensaios de fase 3 com medicamentos oncológicos, nos quais pelo menos um desfecho primário havia sido registrado. Em cerca de dois terços desses ensaios, o protocolo não foi publicado antes do início do estudo, o que torna impossível saber se houve ou não mudanças no desfecho primário ao longo do tempo [2].
Entre os 282 ensaios cujo protocolo havia sido publicado, 145 apresentaram alteração no desfecho primário após o início do estudo. As modificações mais comuns — cada uma representando cerca de um terço dos casos — foram: transformação de um desfecho primário em secundário; de um desfecho secundário em primário; ou alteração na definição do desfecho primário.
Em 102 desses ensaios (aproximadamente 70%), a mudança não foi informada no artigo publicado que relatou os resultados, dificultando a identificação de potenciais vieses. Em cerca de 20% desses ensaios, o resultado correspondente ao desfecho primário inicial sequer foi relatado [2].
Os resultados dos ensaios que apresentaram alterações nos desfechos primários mostraram-se, estatisticamente, mais favoráveis ao medicamento avaliado: isso ocorreu em 89 dos 145 ensaios com alteração de desfecho (61%), comparado a 309 dos 610 ensaios sem alteração detectada (51%) [2].
Essas mudanças nos desfechos primários — longe de serem triviais e frequentemente realizadas sem transparência — demonstram o quanto a avaliação de muitos desses medicamentos carece de robustez metodológica, em uma área terapêutica considerada altamente lucrativa para a indústria farmacêutica.
Esses achados também reforçam a importância dos registros de ensaios clínicos e da consulta sistemática a esses bancos de dados quando se considera basear uma decisão terapêutica nos resultados de um estudo.
Referências