Pontos-chave
Pergunta: Existe inconsistência nas informações sobre o status de cegamento entre publicações científicas e os registros de ensaios clínicos correspondentes?
Descobertas: Nesta revisão sistemática de 1.340 ensaios clínicos randomizados, 80,6% apresentaram inconsistências nas informações sobre cegamento entre a publicação e o registro do ensaio. Ensaios conduzidos em um único centro e estudos com foco em câncer apresentaram probabilidades significativamente maiores de relatar inconsistências.
Significado: Esses achados destacam a necessidade de maior consistência entre os protocolos registrados e os relatórios publicados, a fim de promover transparência e minimizar vieses potenciais em ensaios clínicos.
Resumo
Importância: O cegamento de indivíduos envolvidos em ensaios clínicos randomizados (ECRs) pode ser utilizado para proteger contra viés de desempenho e de aferição. No entanto, discrepâncias no relato das características metodológicas entre os protocolos registrados e as publicações subsequentes dos ensaios podem levar a inconsistências e, consequentemente, à reintrodução de vieses.
Objetivo: Investigar a inconsistência na informação sobre cegamento conforme relatado em registros de ensaios clínicos e publicações.
Fontes de dados: Foram criados um conjunto de dados exploratório e outro de validação. O conjunto exploratório foi composto por ECRs incluídos em revisões sistemáticas de eventos adversos do banco de dados SMART Safety, publicados entre 1º de janeiro de 2015 e 1º de janeiro de 2020. O conjunto de validação foi baseado em uma busca na PubMed por todos os ECRs registrados e publicados no mesmo período.
Seleção dos estudos: Foram incluídos no conjunto exploratório os ECRs que especificaram a segurança do medicamento como desfecho exclusivo e incluíram ao menos uma meta-análise pareada envolvendo cinco ou mais ECRs de intervenções em saúde. O conjunto de validação incluiu uma amostra aleatória de ECRs, sem restrição quanto ao desfecho.
Extração e síntese dos dados: As diretrizes PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses) foram seguidas durante a extração dos dados. Os ECRs foram pareados com seus respectivos registros, e as informações sobre cegamento foram extraídas tanto da publicação do periódico quanto do registro do ensaio. A extração foi realizada por um autor e verificada por dois outros autores; eventuais discrepâncias foram resolvidas por consenso. A análise dos dados foi realizada entre julho de 2023 e janeiro de 2024.
Principais resultados e medidas: O desfecho primário foi a inconsistência nas informações sobre cegamento entre a publicação e o registro do ensaio. Fatores associados à inconsistência foram analisados por meio de regressão logística multivariada. Os resultados foram comparados com os do conjunto de validação.
Resultados: Um total de 1.340 ECRs foi incluído, com tamanho de amostra mediano (IQR) de 338 (152–772) participantes. Desses, 749 (55,90%) eram multirregionais, 1.220 (91,04%) multicêntricos e 835 (62,31%) haviam sido registrados prospectivamente. A condição mais frequentemente estudada foi o câncer, com 472 ensaios (35,22%). No conjunto exploratório, 1.080 ensaios (80,60%) apresentaram inconsistências na informação de cegamento entre a publicação e o registro do ensaio. Ensaios conduzidos em um único centro (OR: 2,84; IC 95%: 1,24–7,74; P = 0,02) e aqueles focados em câncer (OR: 3,26; IC 95%: 2,04–5,38; P < 0,001) apresentaram maiores chances de inconsistência. A análise dos 98 ECRs do conjunto de validação mostrou que 70 (71,43%) apresentaram inconsistências entre a publicação do ensaio e seus registros. A ocorrência de inconsistências foi significativamente maior no conjunto exploratório do que no conjunto de validação (P = 0,03).
Conclusões e relevância: Nesta revisão sistemática de ensaios clínicos randomizados, foram identificadas inconsistências relevantes nas informações sobre cegamento entre os registros dos ensaios e suas publicações. Esses achados reforçam a importância de manter a consistência entre os protocolos registrados e os relatórios publicados, a fim de garantir a transparência metodológica e minimizar vieses em pesquisas clínicas.