Conduta da Indústria

Lobistas da Indústria Trabalham para Influenciar a Posição dos EUA em Negociações Críticas de Saúde Global

(Industry Lobbyists Work to Influence U.S. Position in Critical Global Health Negotiations)
Public Citizen, 28 de outubro de 2024
https://www.citizen.org/article/industry-lobbyists-work-to-influence-u-s-position-in-critical-global-health-negotiations/
Traduzido por Salud y Fármacos, publicado em Boletím Fármacos: Ética 2025; 3(2)

Em outubro de 2020, a Índia e a África do Sul, reconhecendo a urgência sem precedentes da pandemia de Covid-19, propuseram uma isenção temporária de certas disposições do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS) da Organização Mundial do Comércio (OMC), a fim de garantir que a propriedade intelectual (PI) não fosse um obstáculo ao acesso oportuno e acessível a recursos médicos para a Covid-19. As negociações que seguiram essa proposta resultaram em mais de três anos de discussões na OMC, em claro contraste com a necessidade de ação urgente exigida pela pandemia.

Após um período inicial em que os EUA e outros países ricos bloquearam negociações produtivas sobre a isenção, em maio de 2021, a Representante de Comércio dos EUA, Katherine Tai, anunciou o apoio do governo Biden à renúncia de disposições de propriedade intelectual para vacinas contra a Covid-19 — uma mudança bem-vinda em relação à oposição demonstrada pelo governo Trump.

Em junho de 2022, foi adotada uma isenção limitada para vacinas contra a Covid-19. Essa decisão relaxou um conjunto restrito de exigências para “licenciamento compulsório” de patentes de vacinas, permitindo que os países autorizassem a concorrência para apoiar um fornecimento acessível e diversificado de vacinas. Os membros da OMC também se comprometeram a continuar as negociações sobre a extensão dessa decisão para incluir terapias e diagnósticos da Covid-19. Finalmente, em fevereiro de 2024, a OMC declarou oficialmente que não houve consenso sobre a extensão da isenção.

Paralelamente às discussões sobre a isenção na OMC, os Estados-membros da Organização Mundial da Saúde (OMS) iniciaram a negociação de um Acordo sobre Pandemias, cujo principal objetivo é abordar as desigualdades observadas durante a resposta global à Covis-19. O acordo poderia ajudar a fomentar a cooperação e a coordenação internacionais para lidar com pandemias, evitando impasses como os que ocorreram na OMC durante emergências sanitárias.

A proposta de isenção de propriedade intelectual para a Covid-19 gerou um extenso esforço de lobby por parte de empresas farmacêuticas e associações comerciais, incluindo campanhas públicas que alegavam que a isenção “eliminaria” as proteções de propriedade intelectual. Os EUA, junto com outros países de alta renda, adotaram posições semelhantes nas negociações do Acordo sobre Pandemias da OMS.

A Public Citizen analisou a atividade de lobby nos EUA sobre a isenção do TRIPS entre 2021 e a primeira metade de 2024. Os dados revelaram um desequilíbrio entre aqueles que faziam lobby contra a isenção e aqueles que a apoiavam. Além disso, as divulgações de lobby mostram um esforço de oposição que se estendeu até 2024. Também examinamos a atividade de lobby dos EUA sobre as negociações em andamento na OMS para um Acordo sobre Pandemias.

Descobertas-chave:

Mais de 500 lobistas foram contratados para fazer lobby sobre a isenção entre 2021 e o presente. Desses, quase 90% foram contratados por entidades contrárias à isenção.

Em 2022, ano em que mais lobistas foram contratados, entidades contrárias à isenção superaram os apoiadores na proporção de 32 para 1.

Duas dezenas de entidades divulgaram atividades de lobby sobre a isenção no primeiro semestre de 2024, quando as discussões sobre a isenção da Covid foram concluídas. A maioria dessas entidades eram empresas farmacêuticas ou biotecnológicas e associações comerciais que as representam.

Menos entidades fizeram lobby sobre o Acordo sobre Pandemias. Entre elas estavam a Câmara de Comércio e a Biotechnology Innovation Organization, que contrataram dezenas de lobistas para influenciar as negociações do Acordo sobre Pandemias.

Forte Oposição à Isenção do TRIPS
Empresas, grupos comerciais e organizações sem fins lucrativos contrataram mais de 500 lobistas para atuar na isenção do TRIPS entre 2021 e o segundo trimestre de 2024. Cerca de 90% desses lobistas foram contratados por entidades contrárias à isenção.

Em 2022, ano em que o maior número de lobistas foi contratado, as entidades contrárias à isenção do TRIPS superaram os apoiadores na proporção de 32 para 1. [Figura 1]

Figura 1. Lobistas pelo Acordo TRIPS Waiver (por ano e posição)

Figura 1 inclui apenas lobistas para os quais a Public Citizen conseguiu determinar um posicionamento claro, seja de apoio ou oposição à isenção do TRIPS. Conseguimos identificar uma posição clara para 95% de todos os lobistas.

O total de lobistas apresentado na Figura 1 considera cada relacionamento único entre cliente e lobista, e não cada pessoa individualmente. Muitas vezes, um mesmo lobista é contratado por vários clientes, resultando na contagem duplicada de uma mesma pessoa (por exemplo, se Pfizer e PhRMA contratarem o mesmo lobista, ele será contabilizado duas vezes no total).

Entre 2021 e o segundo trimestre de 2024, 12 entidades diferentes contrataram 10 ou mais lobistas para atuar na isenção do TRIPS. Todas as 12 eram contrárias à isenção. A Câmara de Comércio foi a que mais contratou lobistas (72), seguida por PhRMA (64), Pfizer (54), BIO (36) e Novartis (30). Das 20 principais entidades que mais contrataram lobistas para atuar na isenção do TRIPS, 18 eram empresas farmacêuticas, biotecnológicas ou grupos comerciais que as representam. [Tabela 1]

Oposição Contínua à Isenção do TRIPS
Empresas farmacêuticas, de biotecnologia e os grupos comerciais que as representam continuaram a fazer lobby contra a isenção do TRIPS ao longo de 2024. Isso apesar da adoção, em 2022, de uma versão bastante restrita da isenção para vacinas contra a COVID-19, seguida por longas discussões sobre a possibilidade de estendê-la para diagnósticos e tratamentos. Em dezembro de 2023, chegou-se à compreensão de que uma extensão era improvável. Assim, não foi surpresa quando, em fevereiro de 2024, a OMC declarou oficialmente que não havia consenso para ampliar a isenção.

Relatórios de lobby do segundo trimestre de 2024 mostram que 24 entidades continuam a divulgar atividades de lobby relacionadas à isenção do TRIPS. Dentre elas, a maioria são empresas farmacêuticas ou de biotecnologia, além das associações comerciais que as representam. [Tabela 2]

Tabela 1. As 20 maiores entidades lobistas (por número de lobistas)

1	*Chamber of Commerce^[2]	11	*The Business Roundtable, Inc.^[3]
2	Pharmaceutical Research and Manufacturers of America (PhRMA)^[4]*	12	*Merck^[5]
3	*Pfizer^[6]	13	Advanced Medical Technology Association (AdvaMed)^[7]*
4	Biotechnology Innovation Organization (BIO)^[8]*	14	*AstraZeneca^[9]
5	*Novartis^[10]	15	*Eli Lilly^[11]
6	*Amgen^[12]	16	*Sanofi^[13]
7	*Bristol-Myers Squibb^[14]	17	*Bayer^[15]
8	*GSK^[16]	18	Motion Picture Association^[17]
9	*Gilead Sciences^[18]	19	*Johnson & Johnson^[19]
10	*Genentech^[20]	20	National Taxpayers Union^[21]

Indica empresas farmacêuticas/biotecnológicas e grupos comerciais com membros da indústria farmacêutica/biotecnológica.

Table 2. Entities Disclosing Waiver Lobbying in 2024Q2 (Alphabetical)

Advanced Medical Technology Association (AdvaMed)^[22]*	*Gilead Sciences^[23]
American Intellectual Property Law Association (AIPLA)^[24]	*GSK^[25]
*Amgen^[26]	*Johnson & Johnson^[27]
AUTM^[28]	*Life Sciences Pennsylvania^[29]
*Biocom^[30]	*Eli Lilly^[31]
*BIOGEN^[32]	*Merck^[33]
Biotechnology Innovation Organization (BIO)^[34]*	*Novartis^[35]
*California Life Sciences^[36]	*Pfizer^[37]
*Chamber of Commerce^[38]	Pharmaceutical Research and Manufacturers of America (PhRMA)^[39]*
Conservatives for Property Rights^[40]	*Regeneron Pharmaceuticals^[41]
Council For Innovation Promotion (C4IP)^[42]	*Sage Therapeutics^[43]
*Genentech^[44]	*Sanofi^[45]

Indica empresas farmacêuticas/biotecnológicas e grupos comerciais com membros da indústria farmacêutica/biotecnológica.

Lobbying no Acordo sobre Pandemias da OMS Grupos comerciais alinhados à indústria farmacêutica também fizeram lobby sobre o Acordo sobre Pandemias da OMS, um instrumento internacional que visa evitar as desigualdades extremas observadas durante a pandemia de COVID-19.

O grupo comercial mais poderoso dos EUA, a Câmara de Comércio, que inclui algumas das maiores empresas farmacêuticas do mundo entre seus membros, como a Pfizer, a Eli Lilly e a Johnson & Johnson, começou a fazer lobby sobre o Acordo sobre Pandemias em 2021. De acordo com o OpenSecrets, a Câmara gastou quase 70 milhões de dólares em lobby sobre diversos temas em 2023, tornando-se o maior financiador de lobby do país. Em 2024, o grupo enviou 49 lobistas ao Capitólio para influenciar as negociações do Acordo sobre Pandemias. A BIO, outro poderoso grupo comercial com diversos membros da indústria farmacêutica, empregou 16 lobistas para influenciar as negociações do acordo, conforme o registro de lobby do segundo trimestre de 2024.

Embora os registros de lobby não especifiquem posições sobre o Acordo sobre Pandemias, tanto a Câmara de Comércio quanto a BIO comentaram publicamente sobre o acordo, alegando que as discussões sobre a isenção do TRIPS e as disposições de PI do Acordo sobre Pandemias ameaçam o sistema global de propriedade intelectual. Além disso, elogiaram as posições favoráveis à indústria adotadas pelos EUA e se opuseram a disposições de interesse público que pedem maior transparência e acesso equitativo a recursos médicos financiados por governos.

Diante das desigualdades da Covid-19, as negociações sobre a isenção do TRIPS falharam em proporcionar uma resposta emergencial eficaz. É fundamental que o Acordo sobre Pandemias não siga o mesmo caminho. Para isso, os países ricos devem garantir que as negociações não sejam inibidas pela influência da indústria.

creado el 21 de Mayo de 2025