Salud y Fármacos is an international non-profit organization that promotes access and the appropriate use of pharmaceuticals among the Spanish-speaking population.

Gestão dos Ensaios Clínicos, Metodologia, Custos e Conflitos de Interesse

O problema com os ensaios clínicos pragmáticos

(The problema with pragmatic trials)
J. Mandrola
Sensible Medicine, 26 de mayo de 2025
Traduzido por Salud y Fármacos, publicado em Boletim Fármacos: Ensaios Clínicos 2025; 3(4)

Tags: ensaios pragmáticos, ensaios restritivos, desempenho de tratamentos, ensaio clínico A2B, dexmedetomidina, clonidina e propofol, realidade dos resultados

O estudo da semana explora os desafios de extrair conhecimento quando os ensaios procuram imitar o mundo ruidoso da prática clínica.

Hoje falamos sobre o ambiente e os procedimentos de um ensaio clínico, e sobre como esses fatores influenciam a aplicação dos resultados aos pacientes.

Considere dois extremos: em um ensaio clínico, os pacientes devem permanecer rigorosamente no tratamento ao qual foram designados, sem desvios; no outro, permite-se ampla liberdade clínica e o cruzamento entre tratamentos. Este último é chamado de ensaio clínico pragmático. No entanto, é importante observar que o pragmatismo não é dicotômico — todos os ensaios clínicos apresentam diferentes graus de pragmatismo.

Mas, para efeito de ilustração, consideraremos aqui os extremos: altamente restritivo versus altamente pragmático.

O ensaio clínico restritivo permite avaliar com clareza o desempenho dos tratamentos. A desvantagem é que ele não reflete a realidade da prática médica. Já a vantagem do ensaio pragmático é que, ao imitar a prática clínica, seus resultados são mais generalizáveis. A desvantagem, porém, é que a liberdade clínica e o cruzamento entre tratamentos introduzem confusão, dificultando a distinção dos efeitos reais de cada intervenção.

A revista JAMA publicou o ensaio clínico A2B, que comparou três fármacos usados na sedação de pacientes intubados em UTI [1,2]. Não é preciso ser médico intensivista para aprender com este estudo.

Informações básicas: pacientes conectados a respiradores precisam de algum tipo de sedação. Diversos medicamentos podem ser utilizados, e há debate sobre qual é o melhor. O mais usado é o propofol, conhecido por sua aparência leitosa.

O propofol, contudo, tem desvantagens. Por isso, uma equipe liderada por pesquisadores de Edimburgo, Escócia, planejou uma comparação tripla entre dexmedetomidina, clonidina e propofol. A dexmedetomidina e a clonidina são sedativos baseados em agonistas dos receptores adrenérgicos α2 (você talvez conheça a dexmedetomidina pelo nome comercial Precedex).

Foram incluídos pouco mais de 1.400 pacientes que deveriam permanecer intubados por mais de um dia.

Os procedimentos do ensaio foram um ponto-chave. O estudo foi aberto, e os médicos ajustaram as doses de acordo com o nível de sedação necessário. Permitiu-se o uso adicional de propofol nos grupos tratados com agonistas α2, conforme julgamento clínico. Os protocolos de extubação seguiram diretrizes do ensaio, mas, novamente, os médicos usaram seu próprio critério.

O desfecho primário foi o tempo desde a randomização até a extubação bem-sucedida. Os desfechos secundários incluíram mortalidade em 6 meses, qualidade da sedação, taxas de delírio e eventos cardíacos. A hipótese inicial era que os fármacos não baseados em propofol reduziriam o tempo até a extubação.

Resultados:
Em resumo, não houve diferenças significativas no desfecho primário (tempo até a extubação) em comparação com o propofol. O tempo médio até a extubação bem-sucedida foi ligeiramente menor nos grupos que receberam agonistas α2, mas sem significância estatística.

  • HR para dexmedetomidina versus propofol: 1,09 (IC 95%: 0,96–1,25; p = 0,20).
  • HR para clonidina versus propofol: 1,05 (IC 95%: 0,95–1,17; p = 0,34).

Não houve interações significativas entre os subgrupos pré-definidos.

Resultados secundários relevantes:

  • A agitação foi 54% mais frequente com dexmedetomidina do que com propofol (HR: 1,54; IC 95%: 1,2–2,0) e 55% mais frequente com clonidina (HR: 1,55; IC 95%: 1,2–2,0).
  • A bradicardia também foi mais comum com dexmedetomidina (RR: 1,62; IC 95%: 1,4–1,9) e clonidina (RR: 1,58; IC 95%: 1,3–1,9).
  • A mortalidade em 6 meses foi semelhante entre os três grupos.

Conclusão dos autores:
Em pacientes críticos, nem a dexmedetomidina nem a clonidina foram superiores ao propofol para reduzir o tempo até a extubação bem-sucedida.

Comentários:
Se você é médico de UTI — ou apenas um paciente bem informado —, qual seria a conclusão deste estudo?

Poderia dizer: “Está provado. Continuemos com o propofol de sempre.” Os agonistas α2 não funcionaram melhor, e, além disso, a qualidade da sedação foi pior sem propofol.

Por outro lado, poderia concluir que, como não houve diferença significativa, qualquer uma das três opções é aceitável.

A principal tensão — e o motivo pelo qual o estudo merece destaque — está no seu caráter altamente pragmático.

Primeiro, o estudo foi aberto, o que é importante: médicos podem tratar os pacientes de maneira diferente quando sabem qual medicamento estão administrando. Isso pode afetar, por exemplo, a decisão de extubação (o desfecho principal).

Segundo, os pacientes tratados com dexmedetomidina e clonidina puderam receber propofol adicional para alcançar sedação adequada — e mais de 75% desses pacientes o receberam em doses baixas. Clinicamente, isso é aceitável; metodologicamente, contudo, complica a interpretação, pois os agonistas α2 só reduzem o tempo de extubação se permitirem sedação mais leve e menor depressão respiratória.

Percebe o problema?

O desenho aberto é realmente desafiador, pois aceita diferenças no comportamento clínico. No entanto, é praticamente impossível cegar 1.400 pacientes em uma UTI quando um medicamento é branco e leitoso e os outros são transparentes. Assim, o ensaio é conduzido, aceitando-se o ruído.

Da mesma forma, os protocolos de sedação que permitem o cruzamento de fármacos são tolerados porque imitam a prática real e facilitam o recrutamento. Se fosse dito aos pacientes (e médicos) que não haveria possibilidade de trocar de tratamento, talvez ninguém aceitasse participar. Portanto, faz-se o ensaio pragmático — e aceita-se a confusão.

No final, como observador externo, não estou certo de que tenhamos uma resposta definitiva. Acredito que o bom e velho propofol continua funcionando muito bem.

Como escrevem os editorialistas, talvez não obtenhamos uma resposta clara simplesmente porque ela não existe. Talvez não haja um único agente sedativo ideal — e talvez devêssemos aceitar que o melhor protocolo de sedação depende de médicos experientes que saibam combinar os fármacos conforme cada situação.

De certo modo, gosto dessa conclusão. Mas não saberíamos disso sem o ensaio A2B.

Parabéns à equipe de Edimburgo!

Referências

  1. Qian ET, Rice TW. The Search for the Single Best Sedative. JAMA. 2025;334(1):26–28. doi:10.1001/jama.2025.7359
  2. Walsh TS , Parker RA , Aitken LM , et al; A2B Trial Investigators. Dexmedetomidine- or clonidine-based sedation compared with propofol in critically ill patients: the A2B randomized clinical trial. JAMA. Published online May 19, 2025. doi:10.1001/jama.2025.7200
creado el 16 de Noviembre de 2025