Salud y Fármacos is an international non-profit organization that promotes access and the appropriate use of pharmaceuticals among the Spanish-speaking population.

Ensaios Clínicos Questionados

Dúvidas sobre o ticagrelor: imprecisões surgem em estudos-chave do medicamento bilionário da AstraZeneca

(Ticagrelor doubts: inaccuracies uncovered in key studies for AstraZeneca’s billion dollar drug)
P Doshi
BMJ 2025;389:r1201 doi: 10.1136/bmj.r1201, 19 de Juno de 2025
https://www.bmj.com/content/389/bmj.r1201
Traduzido por Salud y Fármacos, publicado em Boletim Fármacos: Ensaios Clínicos 2025; 3(4)

Tags: ticagrelor, imprecisões em estudos, AstraZeneca, fármaco bilionário, dúvidas sobre o ticagrelor

Resumo
O que descobrimos
Neste ano, o medicamento cardiovascular bilionário ticagrelor (Brilinta, Brilique) será comercializado como genérico.

Em dezembro passado, uma investigação do BMJ revelou sérios problemas na integridade dos dados do emblemático ensaio PLATO [1], que envolveu 18.000 pacientes [2], levantando dúvidas sobre a suposta superioridade do fármaco em relação a concorrentes mais baratos.

Neste novo artigo, o BMJ ampliou a investigação, analisando dois estudos fundamentais sobre função plaquetária que, segundo a AstraZeneca, explicariam o sucesso do ticagrelor no tratamento da síndrome coronariana aguda. No entanto, foram encontradas falhas graves de informação, que colocam em questão tanto a aprovação do ticagrelor quanto seu uso clínico durante a última década.

Principais achados:

  • Os resultados do desfecho primário de ambos os ensaios foram relatados incorretamente na revista Circulation;
  • Mais de 60 das 282 leituras das máquinas de plaquetas usadas nos estudos não constavam nas bases de dados enviadas à FDA;
  • Um pesquisador que participou ativamente do ensaio não foi listado como autor, enquanto outro, citado como autor, afirmou ao BMJ não ter participado;
  • A maioria dos pesquisadores, incluindo o investigador principal, recusou entrevistas ou não pôde ser localizada.

Referências

  1. Doshi P. Doubts over landmark heart drug trial: ticagrelor PLATO study. BMJ2024;387:q2550. doi:10.1136/bmj.q2550 https://www.bmj.com/content/387/bmj.q2550
  2. Wallentin L, Becker RC, Budaj A, Cannon CP, Emanuelsson H, Held C, Horrow J, Husted S, James S, Katus H, Mahaffey KW, Scirica BM, Skene A, Steg PG, Storey RF, Harrington RA; PLATO Investigators; Freij A, Thorsén M. Ticagrelor versus clopidogrel in patients with acute coronary syndromes. N Engl J Med. 2009 Sep 10;361(11):1045-57. doi: 10.1056/NEJMoa0904327

Nota de Salud y Fármacos. Um comentário publicado no Medscape [1] destaca que, após 15 anos de mercado, as versões genéricas do antiplaquetário ticagrelor estão prestes a ser lançadas. O medicamento foi promovido como mais rápido e eficaz que seu concorrente mais acessível, o clopidogrel (Plavix), tornando-se um dos maiores sucessos comerciais da AstraZeneca e sendo incorporado rapidamente às diretrizes de cardiologia em todo o mundo.

Além das críticas ao PLATO, Doshi analisou também os ensaios ONSET/OFFSET e RESPOND, publicados na revista Circulation, e documentou que:

  • Os critérios primários de avaliação foram relatados de forma incorreta;
  • A AstraZeneca não enviou todos os dados à FDA;
  • Alguns centros de estudo podem não ter recebido treinamento adequado [1].

Doshi escreveu:

“Segundo os revisores da FDA, a agência concedeu aprovação em 2011 mesmo sem evidências favoráveis, e agora minhas investigações sobre PLATO, ONSET/OFFSET e RESPOND sugerem que até os dados apresentados à FDA e publicados no NEJM e Circulation não são confiáveis.”

Ele solicita, portanto, que a FDA reavalie a aprovação do ticagrelor [1].

Problemas de integridade dos dados:

  • RESPOND: Avaliava se o ticagrelor poderia tornar responsivos os pacientes resistentes ao clopidogrel. Os resultados originais não foram estatisticamente significativos (p=0,157), mas foram publicados em Circulationcomo significativos (p=0,005) após uma mudança não declarada na definição do desfecho primário [1].
  • ONSET/OFFSET: Relatou que o ticagrelor produziu uma inibição plaquetária mais rápida e intensa que o clopidogrel. No entanto, vários pacientes foram excluídos do análise, e os dados remanescentes foram apresentados como população por intenção de tratar. Além disso, foram utilizados dados transformados em uma análise não publicada [1].
  • Doshi teve acesso a algumas leituras originais e constatou que mais de 60 das 282 medições não estavam nas bases enviadas à FDA. Nessas leituras, os níveis de atividade plaquetária eram significativamente mais altos do que os relatados em Circulation.
  • O Dr. Victor Serebruany (Universidade Johns Hopkins), crítico do ticagrelor, declarou ao BMJ que a omissão dessas leituras mostra que o medicamento pode causar fortes oscilações de inibição plaquetária, aumentando o risco de trombose ou sangramento. Segundo ele, “Se os médicos soubessem o que ocorreu nesses ensaios, nunca teriam começado a usar ticagrelor.” [1]

Falhas no ensaio PLATO e possível viés de cegamento

PLATO foi um ensaio global realizado em 43 países. Nos Estados Unidos, os centros foram supervisionados por contratantes independentes, e os pacientes tratados com ticagrelor tiveram piores resultados: risco 27% maior de eventos cardíacos graves em relação ao clopidogrel.

Já em países europeus como Hungria e Polônia, supervisionados diretamente pela AstraZeneca, os resultados favoreceram o ticagrelor [2].

Um comitê independente avaliava mortes e infartos. Doshi descobriu que 45 infartos foram adicionados ao grupo do clopidogrel, enquanto nenhum foi adicionado ao grupo do ticagrelor. Em 20 mortes, os avaliadores não chegaram a um consenso, e 17 ocorreram no grupo clopidogrel; em 6 casos, a classificação final foi alterada em favor do ticagrelor, sem justificativa. Esse padrão unilateral de alterações levanta a questão:

“O ensaio foi realmente cego?”

Embora o comitê de adjudicação devesse desconhecer a alocação dos pacientes, o viés a favor do ticagrelor sugere quebra do cegamento [2].

Histórico e críticas adicionais
O ticagrelor enfrentou resistência desde o início. Seu primeiro pedido de aprovação foi rejeitado pela FDA. O então diretor médico, Dr. Thomas Marciniak, classificou a submissão da AstraZeneca como:

“Uma das piores que já vi.”

Ele alertou que pacientes tratados com ticagrelor submetidos a intervenção coronariana percutânea precoce tiveram piores resultados do que os tratados com clopidogrel. Suas advertências, porém, foram ignoradas [2].

Em 2013, o medicamento foi alvo de investigação do Departamento de Justiça dos EUA, a pedido de Serebruany. O caso foi encerrado em 2014 sem medidas adicionais [1].

Por fim, uma revisão conduzida pelo Dr. Eric Bates (Universidade de Michigan), coautor das diretrizes americanas que recomendam o ticagrelor, concluiu que

“O consenso clínico e o apoio das diretrizes ao ticagrelor em relação ao clopidogrel podem estar superestimados.”

Bates agora defende a revisão das diretrizes, especialmente quanto à recomendação do ticagrelor [1].

Referências

  1. Owens B. BMJ Investigation Finds More Concerns in Ticagrelor Trials. Medscape. June 20, 2025. https://www.medscape.com/viewarticle/investigation-bmj-raises-more-concerns-about-ticagrelor-2025a1000gh3
  2. Demasi, Maryanne. Part 1: BMJ Investigation reveals serious flaws in trials of blockbuster anti-clotting drug The anti-clotting drug ticagrelor was approved on flawed studies—and remains widely used today despite evidence of scientific misconduct and regulatory failure. Maryanne Demasi Substack, 6 de julio de 2025
creado el 16 de Noviembre de 2025