Salud y Fármacos is an international non-profit organization that promotes access and the appropriate use of pharmaceuticals among the Spanish-speaking population.

Ensaios Clínicos Questionados

O exercício é ótimo, mas não é um remédio contra o câncer

(Exercise is Great but It’s Not a Cancer Drug)
J Mandrola
Sensible Medicine, 2 de junho de 2025
Traduzido por Salud y Fármacos, publicado em Boletim Fármacos: Ensaios Clínicos 2025; 3(4)

Tags: exercício melhora a evolução do câncer, ensaio CHALLENGE, exercício reduz riscos do câncer de cólon, Ensaios Clínicos Questionados

O ensaio CHALLENGE causou grande alvoroço nas redes sociais por concluir que o exercício é uma terapia contra o câncer. Mas o fato de você gostar de uma conclusão não é motivo para deixar de pensar.

O ensaio CHALLENGE [1] avaliou o impacto de um programa estruturado de exercícios na evolução do câncer. O New England Journal of Medicine publicou o estudo, mais de 100 meios de comunicação o repercutiram e centenas o divulgaram nas redes sociais.

Portanto, já se pode imaginar que os resultados foram positivos — e, de fato, extremamente positivos. E quem, pergunto, não adoraria a conclusão de que o exercício vence o câncer?

O ensaio: a ideia de estudar o impacto do exercício estruturado na evolução do câncer surgiu de estudos observacionais que relataram associações entre atividade física e resultados oncológicos, bem como de estudos pré-clínicos que sugeriram (ainda que de forma fraca) que o exercício poderia reduzir o crescimento tumoral, possivelmente por mecanismos metabólicos ou imunológicos.

Os autores do estudo CHALLENGE decidiram avaliar os efeitos de um programa de exercícios estruturado em pacientes com câncer de cólon que haviam concluído o tratamento adjuvante com quimioterapia. Os critérios de inclusão no ensaio eram: não estar morrendo de câncer de cólon, ter completado a quimioterapia e possuir capacidade funcional suficientemente boa para realizar todos os exercícios.

Pouco mais de 900 pacientes foram randomizados para receber recomendações gerais de saúde ou participar do programa estruturado, que era intensivo. O programa incluía 17 “técnicas baseadas em evidências” para induzir a mudança de comportamento, entre elas sessões presenciais obrigatórias e frequentes de apoio comportamental e sessões supervisionadas de exercício. Ênfase especial foi dada ao caráter presencial e obrigatório.

Durante os seis meses seguintes, os pacientes continuaram com atividades semelhantes, mas puderam participar de algumas sessões por telefone. Nos dois anos finais, os participantes compareceram a 24 sessões mensais obrigatórias de apoio comportamental — presenciais ou remotas — combinadas com uma sessão supervisionada de exercício. O suplemento do artigo que descreve em detalhes o programa de exercícios estruturado ocupa 50 páginas.

O desfecho primário foi a sobrevida livre de doença, algo aparentemente simples, mas que na prática combina diversos fatores: ausência de recorrência do câncer de cólon, surgimento de um novo câncer de cólon primário, outro câncer primário ou morte por qualquer causa.

Os resultados foram surpreendentes.

Após uma mediana de acompanhamento de quase 8 anos, o risco relativo de recidiva ou morte relacionada ao câncer de cólon foi, em média, 28% menor no grupo do exercício estruturado em comparação ao grupo que recebeu apenas educação em saúde. Em outras palavras, neste ensaio, o exercício estruturado foi associado a uma redução estatisticamente significativa no risco de recidiva/morte em relação à educação em saúde (HR 0,72; IC95% 0,55–0,94; p=0,02).

A sobrevida livre de doença em 5 anos foi de 80,3% no grupo de exercício e de 73,9% no grupo de educação em saúde (diferença: 6,4 pontos percentuais; IC95%: 0,6 a 12,2).


Fonte: Traduzido pela equipe editorial de Salud y Fármacos a partir do gráfico original de: Courneya KS, et al. Structured Exercise after Adjuvant Chemotherapy for Colon Cancer. N Engl J Med 2025;393:13–25. Disponível em: https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2502760

Os fatores determinantes do desfecho primário incluíram: a recorrência do câncer e a sobrevida global.

De fato, a redução do risco relativo de morte em 37% (HR: 0,63; IC95%: 0,43–0,94) foi ainda maior do que a redução observada no desfecho composto. Vale destacar que o exercício também pareceu reduzir a recorrência do câncer de cólon (65 versus 81 pacientes), assim como a ocorrência de novos cânceres primários (23 versus 42 pacientes).

Os autores concluíram que esse programa estruturado de exercícios, com duração de três anos, resultou em uma sobrevida livre de doença significativamente mais longa, e os achados foram consistentes com uma maior sobrevida global.

Comentários e avaliação
A primeira coisa que devo dizer é que adoro o exercício — tanto na minha vida pessoal quanto como cardiologista. Também valorizo o esforço dos autores em estudar o impacto do exercício em um ensaio clínico randomizado rigoroso (ECR).

Embora eu desejasse que o relatado fosse verdadeiro, há pelo menos sete razões para ser cauteloso. Elas se referem principalmente a problemas de validade interna, mas também existem questões importantes de validade externa.

Primeiro, antes de analisar os métodos, a redução de 37% na mortalidade por todas as causas é inverossímil e rivaliza com muitas terapias oncológicas de eficácia comprovada. Por exemplo, é semelhante à redução da mortalidade obtida com o trastuzumabe (Herceptin) no câncer de mama HER2+: um achado revolucionário.

Segundo, se postulamos que o exercício traz um benefício tão grande na mortalidade, deveríamos observar algum efeito mensurável desse exercício. No entanto, o estudo CHALLENGE não relatou quase nenhuma diferença entre os grupos nos parâmetros típicos de atividade física. Não houve diferenças no peso corporal, na circunferência da cintura ou no teste de caminhada de seis minutos — apenas uma distância 30 metros maior.

Terceiro, as curvas de Kaplan-Meier para sobrevida livre de doença começam a se separar aos 12 meses, enquanto as curvas de mortalidade só divergem após quatro anos. Não sou oncologista, mas uma diferença tão pequena na dose de exercício (como demonstra a ausência de medidas objetivas) não é suficiente para reduzir as recorrências de câncer tão rapidamente. Esse achado sugere que a randomização foi subótima, o que não surpreende, considerando que o ensaio, ambicioso e complexo, levou 15 anos para completar o recrutamento dos participantes.

Quarto, a falta de adesão ao regime de exercícios torna a hipótese ainda menos plausível. Após três anos, quase metade dos pacientes designados ao grupo de exercício não completou o protocolo na esteira, e um terço não concluiu o teste de caminhada de seis minutos. Esses pacientes foram incluídos na análise por intenção de tratar, o que tende a reduzir as diferenças entre os grupos em termos de prática de exercício.

Quinto, originalmente os autores projetaram o ensaio para detectar diferenças em três anos. Para alcançar poder estatístico suficiente, seriam necessários 380 eventos. Devido ao recrutamento lento e a uma taxa de eventos menor do que a esperada, o prazo foi estendido para uma análise em cinco anos. Mesmo assim, houve muito menos eventos do que o necessário para o desfecho primário (224 versus 380). Isso reduz o poder estatístico e aumenta a possibilidade de falsos positivos — algo coerente com a inverossimilhança biológica. Além disso, as curvas de Kaplan-Meier mostram que a maior parte da separação ocorre após três anos. Um artigo mais sólido teria incluído os resultados pré-especificados aos três anos, que talvez não fossem significativos.

Sexto, embora as cinco primeiras preocupações se refiram à condução e ao desenho do estudo, há também o desafio inerente aos ensaios intervencionistas: oferecer níveis diferentes de atenção aos dois grupos. No CHALLENGE, o grupo de exercício estruturado recebeu uma quantidade extraordinária de acompanhamento, tanto para induzir mudanças comportamentais quanto para incentivar a prática de exercício. Isso aumenta a probabilidade de viés de desempenho, como demonstram as grandes diferenças nos questionários de qualidade de vida.

Sétimo, há sérios desafios quanto à validade externa ou à generalização dos resultados do CHALLENGE. A dificuldade de recrutar participantes (o que levou 15 anos) evidencia a complexidade e a intensidade do programa comportamental e de exercícios. Os autores não informam quantos pacientes foram avaliados para, ao fim, recrutar esses 900. Suspeito que tenham sido muitos. Além disso, os participantes eram relativamente jovens (idade média de 61 anos), não obesos e com bom desempenho funcional basal. Mesmo que aceitemos os resultados como apresentados, eles só poderiam ser aplicados a uma fração dos pacientes com câncer de cólon.

O custo e as implicações para o sistema de saúde de adotar esse protocolo seriam enormes. Assim como os ensaios regulatórios de medicamentos ou dispositivos exigem múltiplos estudos positivos, deveríamos aplicar o mesmo critério ao CHALLENGE.

Foi um grande esforço. A história é encantadora. Mas o fato de gostarmos da conclusão não é motivo para deixar de pensar.

Referência

  1. Courneya KS, Vardy JL, O’Callaghan CJ, Gill S, Friedenreich CM, Wong RKS, Dhillon HM, Coyle V, Chua NS, Jonker DJ, Beale PJ, Haider K, Tang PA, Bonaventura T, Wong R, Lim HJ, Burge ME, Hubay S, Sanatani M, Campbell KL, Arthuso FZ, Turner J, Meyer RM, Brundage M, O’Brien P, Tu D, Booth CM; CHALLENGE Investigators. Structured Exercise after Adjuvant Chemotherapy for Colon Cancer. N Engl J Med. 2025 Jul 3;393(1):13-25. doi: 10.1056/NEJMoa2502760. Epub 2025 Jun 1. PMID: 40450658.
creado el 16 de Noviembre de 2025