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Novidades sobre a Covid

Testando uma vacina experimental durante uma emergência de saúde pública: lições de um caso peruano

(Testing an experimental vaccine during a public health emergency: Lessons from a Peruvian case)
C Lanata, T Ochoa, E Bancalari, N Baylor, K Edwards, R Faden, S Madhi, H Nohyneck, Ch Weijer
Vaccine, 2025;56: 2025, 127176, ISSN 0264-410X, https://doi.org/10.1016/j.vaccine.2025.127176
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0264410X25004736 (livre acesso em inglês)
Traduzido por Salud y Fármacos, publicado em Boletim Fármacos: Ensaios Clínicos 2025; 3(4)

Tags: violação de princípios éticos em pesquisa clínica, processos de regulação de ensaios, ensaios clínicos com vacina experimental no Peru, vacinas contra a COVID

Destaques

  • Teste de uma vacina experimental contra o SARS-CoV-2, como resposta à COVID-19 no Peru, envolveu a vacinação de pessoas que não participavam do ensaio clínico.
  • A Academia Nacional de Medicina do Peru criou uma comissão para identificar o que não foi feito corretamente e recomendar medidas para evitar que um caso semelhante ocorra no futuro.
  • Seis princípios éticos foram violados e cinco procedimentos regulatórios não foram devidamente cumpridos.
  • Testar uma vacina experimental durante uma emergência sanitária, sob forte pressão política, cria um ambiente em que os procedimentos regulatórios existentes e os princípios éticos podem ser contornados.

Resumo
Introdução
O governo peruano buscou uma vacina como resposta à COVID-19. Foi aprovado um ensaio clínico para avaliar uma vacina inativada contra o SARS-CoV-2. Um programa de notícias nacional revelou que o presidente do Peru havia recebido a vacina fora do ensaio clínico, gerando um protesto em todo o país. A Academia Nacional de Medicina do Peru criou então uma comissão para identificar os procedimentos inadequados e oferecer orientações sobre como evitar que um caso semelhante ocorra novamente.

Métodos
Os membros da comissão revisaram todos os documentos e fontes de informação disponíveis publicamente e elaboraram um relatório final.

Resultados
Foram identificadas seis violações de princípios éticos: 1) 3.200 doses de vacina foram usadas para vacinar pessoas fora do ensaio clínico; 2) indivíduos influentes foram vacinados fora do ensaio clínico; 3) a condução do estudo foi monitorada por uma organização contratada (CRO) com conflito de interesses; 4) foi realizado um estudo adicional com a vacina sem protocolo aprovado; 5 ) o ensaio clínico controlado por placebo continuou mesmo após a disponibilidade de uma vacina aprovada; 6) os resultados do ensaio clínico não foram divulgados.

Foram também identificadas cinco falhas em procedimentos regulatórios: 1) ausência de supervisão do ensaio clínico por uma agência de monitoramento de alta qualidade externa ao Peru; 2) uma universidade atuou como patrocinadora de uma vacina produzida por uma empresa estrangeira; 3) revisões e aprovações aceleradas; 4) falta de supervisão adequada pelos órgãos reguladores locais e pela CRO do estudo; 5) ausência de participação do Comitê Independente de Monitoramento de Dados (Data Safety Monitoring Board).

Conclusões
A emergência sanitária da COVID-19 criou um ambiente em que os princípios éticos e regulatórios vigentes foram contornados sob pressão política. Os órgãos e agências reguladoras devem alertar os países sobre os riscos de conduzir ensaios clínicos durante uma emergência de saúde pública e garantir que os procedimentos éticos e regulatórios apropriados sejam seguidos.

Resposta da Universidade Cayetano Heredia
O Dr. Carlos Cáceres apresenta elementos centrais sobre os aspectos éticos do estudo da vacina Sinopharm e a resposta institucional da universidade em uma carta à revista Vaccine, disponível neste link: https://drive.google.com/file/d/1CKIT9AQUOsOca7xnCOf666qHlO64Pi3_/view, que reproduzimos a seguir.

Em abril de 2025, a revista Vaccine publicou o artigo “Testing an experimental vaccine during a public health emergency: Lessons from a Peruvian case”, de Lanata e colaboradores, baseado em um relatório preparado pelos mesmos autores a pedido da Academia Nacional de Medicina em 2023. Esse artigo apresentou uma lista dos principais problemas éticos observados durante a implementação dos ensaios clínicos das vacinas Sinopharm no Peru.

Posteriormente, em junho de 2025, a mesma revista publicou uma carta ao editor assinada pelo Dr. Carlos Cáceres Palacios, vice-reitor de pesquisa da Universidad Peruana Cayetano Heredia (UPCH). A carta inicia afirmando que a universidade assumiu integralmente suas responsabilidades em relação ao estudo e que não busca se justificar. Em seguida, o autor propõe oferecer informações adicionais de contexto que permitam compreender melhor a complexidade ética da situação, acrescentar dados complementares e descrever as ações adotadas pela universidade em resposta aos acontecimentos de 2021.

O Dr. Cáceres destaca que o estudo Sinopharm ocorreu em condições excepcionais de pandemia, em uma sociedade que não funcionava de modo normal, com regras pouco claras e grande confusão. O estudo foi articulado entre os governos do Peru e da China, com forte participação dos ministérios da Saúde e das Relações Exteriores do Peru, além da Embaixada da China.

Foram selecionados pesquisadores da UPCH e da UNMSM, mas o estudo não poderia começar sem um patrocinador, conforme exigido pela regulação de ensaios clínicos, já que a empresa chinesa não possuía registro ou representante local. Solicitou-se então à UPCH que atuasse como patrocinadora; a universidade não dispunha de uma estrutura regulatória completa, mas aCEPtou devido à urgência sanitária. Além disso, o Instituto Nacional de Saúde (INS) havia criado o Comitê Nacional Transitório de Ética em Pesquisa (CNTEI) como o único responsável pela avaliação ética de estudos sobre COVID-19, o que impediu o Comitê Institucional de Ética da UPCH de atuar, eliminando um ator fundamental no monitoramento ético do estudo.

O Dr. Cáceres também explica que a vacina de Beijing — uma das variantes estudadas — havia demonstrado eficácia em dois estudos prévios, mas foi tratada de forma ambígua: como produto experimental e, ao mesmo tempo, como vacina candidata. O governo chinês ofereceu um lote adicional de 3.200 doses para “proteger a equipe de pesquisa”, incluindo vacinas destinadas à embaixada.

Funcionários públicos do Ministério da Saúde (MINSA) e do Ministério das Relações Exteriores se inscreveram para recebê-las. A confusão de regras naquele momento, agravada pela gravidade da pandemia e pela intervenção irregular de autoridades do mais alto nível do Estado, levou o CNTEI e o INS a aprovarem sua inclusão no protocolo de forma expedita.

Apesar das irregularidades administrativas e do uso arbitrário das vacinas adicionais, o Dr. Cáceres afirma que os procedimentos com os participantes permaneceram íntegros. Corrigindo um ponto considerado impreciso no artigo, ele explica que, assim que o MINSA autorizou a vacinação geral, decisões cruciais — como o levantamento do sigilo duplo (cego) para permitir a vacinação de participantes do grupo placebo ou do braço que recebeu a vacina Wuhan — foram amplamente discutidas com autoridades públicas, a Defensoria do Povo e representantes dos voluntários. Em maio de 2021, foi concedida autorização não apenas para quebrar o cego, mas também para importar novas doses da vacina Beijing, possibilitando a vacinação dos participantes.

O Dr. Cáceres informa ainda que o estudo foi concluído após os ajustes necessários no protocolo e que, embora a universidade não pudesse publicar os resultados devido ao contrato com a empresa chinesa, apresentou o relatório final ao INS, confiando que este o publicaria, conforme determina a legislação — o que de fato ocorreu em 2024.

O vice-reitor enfatiza que a informação apresentada não pretende justificar os acontecimentos de 2020 e 2021, e detalha duas frentes de medidas adotadas: primeiro, as ações corretivas relacionadas ao estudo, como reestruturação da equipe de pesquisa, contratação de auditoria internacional, reforço do Comitê de Monitoramento de Dados (DSMB) e substituição da CRO. Em segundo lugar, as mudanças estruturais no Vice-Reitorado de Pesquisa (VRI), com a criação da Direção Universitária de Assuntos Regulatórios da Pesquisa (DUARI), que passou a contar com unidades especializadas em avaliação ética, integridade científica, biossegurança, ensaios clínicos e controle de qualidade, formando o marco regulatório mais robusto do país no âmbito universitário.

Segundo o Dr. Cáceres, “a experiência crítica de 2021 representou uma oportunidade para aprender, refletir e fortalecer profundamente nossas capacidades institucionais”.

O caso também foi recentemente debatido durante a Jornada de Ética em Pesquisa em Ensaios Clínicos, organizada pela DUARI/VRI, como parte de um processo de reflexão aberta sobre as lições aprendidas e os padrões éticos que devem orientar a pesquisa em contextos complexos.

A publicação do Dr. Cáceres reafirma o compromisso da Universidad Peruana Cayetano Heredia com uma ciência responsável, rigorosa e guiada pelos mais altos princípios éticos.

A carta completa do Dr. Cáceres pode ser lida neste link: https://drive.google.com/file/d/1CKIT9AQUOsOca7xnCOf666qHlO64Pi3_/view

creado el 16 de Noviembre de 2025