Salud y Fármacos is an international non-profit organization that promotes access and the appropriate use of pharmaceuticals among the Spanish-speaking population.

Conduta da Indústria

Ensaios para ampliar as indicações de tratamentos, sem contribuir para o avanço do conhecimento

(Trials That Attempt to Expand Treatment Indications but Do Not Increase Knowledge)
J Mandrola
Sensible Medicine, 13 de abril de 2025
Traduzido por Salud y Fármacos, publicado em Boletim Fármacos: Ética 2025; 3(4)

Tags: incentivos inadequados em cardiologia; promoção de intervenções em saúde; Colégio Americano de Cardiologia

Minha última coluna está em theheart.org | Medscape Cardiology.

A primeira pergunta que faço ao analisar um estudo clínico é o seu propósito. Ou seja: ele foi realizado para resolver uma questão importante ou para promover uma intervenção?

Dois estudos apresentados na recente reunião do Colégio Americano de Cardiologia são excelentes exemplos dos incentivos inadequados que cercam a ciência médica.

Nesta coluna [1], escrita para médicos, analiso os ensaios DapaTAVI e STRIDE.

No estudo DapaTAVI [2], os pesquisadores randomizaram pacientes que receberam um implante de válvula aórtica transcateter (TAVI ou TAVR, em inglês). Um grupo recebeu dapagliflozina, um inibidor de SGLT2, enquanto o outro grupo recebeu o cuidado padrão (sem comprimido placebo).

Os pacientes submetidos à TAVI são idosos e apresentam múltiplas condições que predispõem ao acúmulo de líquido, o que exige tratamento com diuréticos.

Após um ano, 15% dos pacientes do grupo dapagliflozina apresentaram um evento do desfecho primário — morte ou insuficiência cardíaca (visita urgente ou hospitalização) —, frente a 20,1% no grupo controle. Essa taxa, 28% menor, atingiu significância estatística, resultando em uma vitória para a dapagliflozina, um inibidor de SGLT2.

Os problemas que tive com o ensaio foram:

  • O grupo controle não recebeu comprimido placebo. Isso significa que pacientes e médicos conheciam a alocação do tratamento.
  • O fator determinante do desfecho primário positivo não foi a morte, mas um evento de insuficiência cardíaca. Isso é um problema, pois é o médico quem decide que um paciente deve fazer uma “visita urgente” ou ser hospitalizado. O conhecimento do tratamento ao qual o paciente foi alocado pode enviesar a decisão. Por exemplo, uma opção para pacientes com sintomas de insuficiência cardíaca é tomar em casa um comprimido adicional de diurético oral, o que não seria considerado evento nos desfechos.
  • Outro problema com o uso de “hospitalização por insuficiência cardíaca” é que pacientes idosos podem ser internados por diversos motivos. Os autores não informam o total de hospitalizações, de modo que não podemos saber se a redução de hospitalizações por insuficiência cardíaca reduz a carga para o sistema de saúde.

Entretanto, minha principal crítica se concentra na ideia básica do ensaio. Sabemos que os fármacos iSGLT2 são diuréticos bastante potentes, o que significa que removem líquido do corpo por meio dos rins.

Na coluna, sustento que poderíamos administrar um iSGLT2 a qualquer paciente após qualquer procedimento cardíaco e provavelmente reduziríamos eventos de insuficiência cardíaca. No estudo, havia sido feita uma TAVI, mas o fármaco poderia ser administrado após uma ablação, a colocação de stent ou uma cirurgia de bypass.

Portanto, o DapaTAVI não deveria ser utilizado para ampliar a indicação dos iSGLT2. Ainda assim, mais de 40 veículos de comunicação cobriram o ensaio, quase todos com manchetes positivas.

O ensaio STRIDE foi pior [3]. Tratou-se de um estudo patrocinado e conduzido pelos produtores de semaglutida, comparando semaglutida versus placebo em pacientes com doença arterial periférica com claudicação (dor muscular ao exercício por suprimento sanguíneo insuficiente).

O desfecho primário foi o tempo de caminhada em esteira. Como a maioria pode imaginar, o tempo de caminhada em esteira é altamente suscetível a treinamento e motivação. Quem nunca correu 400 metros a mais sob orientação? Quando se usa um desfecho desse tipo, o cegamento deve ser adequado — é um requisito obrigatório.

E aqui reside a falha fatal do estudo. Pacientes que tomam semaglutida muito provavelmente sabem que a estão tomando: perdem peso, sentem saciedade com facilidade e, frequentemente, náuseas.

A diferença no tempo de caminhada foi modesta — nem mesmo 30 metros a mais em comparação com placebo. Ainda assim, alcançou significância estatística, tornando o STRIDE um estudo positivo e justificando sua publicação na influente revista LANCET.

O aumento no tempo de caminhada é semelhante ao do antigo genérico cilostazol. Mesmo assim, mais de 35 veículos cobriram o ensaio com manchetes positivas [4].

No entanto, o modesto aumento no tempo de exercício com semaglutida poderia dever-se ao efeito placebo. Uma forma de saber se houve quebra do cegamento em um ensaio seria um simples teste de cegamento. Isso não foi realizado no STRIDE.

Conclusão: A prática baseada em evidências se apoia em ensaios clínicos. Elogio os pesquisadores que realizam ensaios.

Contudo, entristece-me que estudos desenhados para serem positivos cheguem ao grande palco de um congresso e sejam publicados em revistas médicas importantes.

As causas subjacentes a esse problema são complexas. Uma delas é, sem dúvida, o interesse pelo lucro. O STRIDE é um bom exemplo de ensaio desenhado pela indústria para ampliar a indicação de seu fármaco. Na minha opinião, ele não chega a esse patamar.

O governo espanhol financiou o DapaTAVI. Neste caso, o problema subjacente consiste em realizar ensaios com resultados positivos. Apostaria alto que o DapaTAVI seria positivo. Quando, na realidade, ele traz apenas resultados moderadamente positivos para um desfecho subjetivo e propenso a vieses, a ciência médica não avança.

Não tenho solução para esse problema, salvo aguçar minhas habilidades de avaliação crítica para não me deixar enganar.

Referências

  1. Johan Mandrola. Little Learned From Trials That Are Positive by Design – Medscape – April 10, 2025. https://www.medscape.com/viewarticle/little-learned-trials-are-positive-design-2025a10008jc
  2. Raposeiras-Roubin S, Amat-Santos IJ, Rossello X, González Ferreiro R et al, DapaTAVI Investigators. Dapagliflozin in Patients Undergoing Transcatheter Aortic-Valve Implantation. N Engl J Med. 2025 Apr 10;392(14):1396-1405. doi: 10.1056/NEJMoa2500366. Epub 2025 Mar 29. PMID: 40162639.
  3. Bonaca, Marc P et al. Semaglutide and walking capacity in people with symptomatic peripheral artery disease and type 2 diabetes (STRIDE): a phase 3b, double-blind, randomised, placebo-controlled trial. The Lancet, Volume 405, Issue 10489, 1580 – 1593.
  4. Michael Walter. A practice-changing trial’: Semaglutide linked to key benefits for PAD patients with diabetes. Cardiovascular Business, March 29, 2025. https://cardiovascularbusiness.com/topics/clinical/pharmaceutics/semaglutide-peripheral-artery-disease-pad-diabetes
creado el 10 de Noviembre de 2025