Salud y Fármacos is an international non-profit organization that promotes access and the appropriate use of pharmaceuticals among the Spanish-speaking population.

Conduta da Indústria

Medicamentos inovadores, mas inacessíveis

Salud y Fármacos
Boletim Fármacos: Ética 2025; 3(4)

Tags: Lenacapavir, luta contra o HIV, monopólio de patentes, preço do lenacapavir, custo de produção do lenacapavir, Gilead

O Lenacapavir representa uma das inovações mais promissoras na luta contra o vírus da imunodeficiência humana (HIV): um medicamento de ação prolongada que, com apenas duas doses por ano, pode prevenir infecções e melhorar o controle da doença em pessoas que vivem com o HIV.

Os ensaios clínicos mostraram resultados excelentes, com taxas de eficácia próximas a 100% na prevenção da infecção pelo HIV e um benefício notável no tratamento de infecções pelo HIV resistentes a múltiplos tratamentos. No entanto, o potencial deste medicamento contrasta com a estratégia comercial da Gilead, que fixou um preço anual superior a US$ 42.000 por paciente/ano, muito acima do custo estimado de produção de apenas US$ 40 (valor que inclui uma margem de lucro de 30%), o que o torna inacessível para a maioria da população.

O problema não é apenas o preço, mas a forma como a empresa protegeu seu monopólio. Na Índia, entre 2014 e 2022, a Gilead apresentou quatorze pedidos de patente sobre diferentes variações do mesmo composto, incluindo sais, formas cristalinas, processos de fabricação e formulações injetáveis.

Essa prática, conhecida como perpetuação de patentes (em inglês, evergreening), permite que a Gilead amplie o período de exclusividade no mercado do medicamento para além dos 20 anos habituais. Se todos esses pedidos fossem concedidos, o monopólio poderia se prolongar até 2042. A consequência é clara: os fabricantes de genéricos enfrentam um emaranhado legal que desestimula o investimento e retarda o acesso a alternativas acessíveis.

Embora a Gilead tenha anunciado a concessão de licenças voluntárias a seis produtores para abastecer os países em desenvolvimento, a medida tem sérias limitações. Inúmeros países de renda média — onde se concentra uma parte significativa das novas infecções por HIV — são excluídos e restrições contratuais são impostas, dificultando o fornecimento e a concorrência real. Mais do que um gesto de saúde pública, a iniciativa parece ter sido concebida para neutralizar críticas e preservar o controle do mercado.

A resposta da sociedade civil e de alguns sistemas de patentes tem sido firme. Na Argentina, por exemplo, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial rejeitou um dos pedidos da Gilead por considerar que a molécula já estava contemplada em patentes anteriores com estruturas Markush. Na Índia, várias oposições prévias à concessão das patentes questionam a falta de novidade e a escassa atividade inventiva das novas aplicações. Os opositores sustentam que muitas das modificações são óbvias para qualquer especialista e não cumprem os requisitos de melhorar a eficácia do medicamento, que é o que exige a legislação de patentes.

O caso do lenacapavir reflete um padrão mais amplo: o uso do sistema de patentes como ferramenta para maximizar os benefícios econômicos à custa de limitar o acesso oportuno a medicamentos essenciais para preservar a saúde e a vida. Essas práticas, nas quais as patentes deixam de ser incentivos à pesquisa e se transformam em barreiras artificiais contra a concorrência, prejudicam a saúde pública das populações mais vulneráveis, que vivem em países de baixa e média renda. O risco é que milhões de pessoas, especialmente em comunidades marginalizadas, fiquem sem acesso a um tratamento que poderia mudar o curso da epidemia do HIV.

Essa experiência lembra a decisão histórica da Suprema Corte da Índia no caso Novartis, que alertou sobre o perigo de patentes excessivamente amplas e redigidas para favorecer os interesses corporativos em vez do verdadeiro avanço científico. Hoje, diante do caso lenacapavir, esse alerta volta a ganhar relevância. É preciso fortalecer os mecanismos de avaliação de patentes e promover políticas em favor da concorrência que garantam que a saúde pública prevaleça sobre o abuso do sistema de propriedade intelectual.

Fonte Original

  1. Third World Network (TWN). Briefing paper: Abusing the patent system: Gilead’s evergreening tactics to prolong lenacapavir monopoly. May 2025. https://www.twn.my/title2/briefing_papers/twn/TWN%20Briefing%20Paper_Abusing%20the%20Patent%20System.pdf
creado el 10 de Noviembre de 2025