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Ensaios Clínicos e Ética

Abuso de prisioneiros afrodescendentes em estudos sobre malária

Salud y Fármacos
Boletim Fármacos: Ética 2025; 3(4)

Tags: exploração de prisioneiros afrodescendentes, fármacos antimaláricos, estudos sobre malária, ensaios com prisioneiros

A revista Science publicou uma entrevista com James Tabery sobre a participação de prisioneiros afrodescendentes em estudos que buscavam compreender como a genética influencia as reações a medicamentos antimaláricos [1]. A entrevista está relacionada a um artigo publicado no JAMA [2]. A seguir, resumimos o artigo publicado em Science.

Na década de 1940, a Faculdade de Medicina da Universidade de Chicago, o Exército dos Estados Unidos e o Departamento de Estado conduziram um estudo sobre malária na penitenciária de Stateville, que impulsionou o desenvolvimento da primaquina.

A prática de infectar deliberadamente os presos com o parasita da malária para testar tratamentos gerou forte reação pública contra o consentimento coercitivo em prisões. Até recentemente, acreditava-se que os experimentos haviam incluído principalmente prisioneiros de ascendência europeia.

James Tabery e seus colegas revelaram que, para estudar as reações adversas ao medicamento, os pesquisadores de Stateville introduziram o parasita da malária em prisioneiros afrodescendentes sabidamente sensíveis à primaquina e lhes administraram doses excessivas, cientes de que a maioria teria uma reação adversa.

Os prisioneiros com um distúrbio genético conhecido como deficiência de G6PD sofreram efeitos colaterais dolorosos, como náuseas, fadiga e, em alguns casos, falência de órgãos. Esses resultados, segundo Tabery, lançaram as bases da medicina de precisão, isto é, da ideia moderna de adaptar o tratamento à genética do paciente.

Além do sofrimento a que foram submetidos, os prisioneiros afrodescendentes receberam remuneração inferior à dos de ascendência europeia, e os dados publicados os identificavam (iniciais, altura e peso).

Durante a primeira década do estudo, os pesquisadores de Stateville inscreveram apenas prisioneiros brancos, pois temiam que os afrodescendentes não apresentassem a mesma reação que buscavam induzir e, assim, pudessem distorcer os resultados.

Por volta de 1950, os pesquisadores já tinham um medicamento eficaz, a primaquina, mas algumas pessoas apresentavam reações adversas graves, potencialmente fatais, que ocorriam com mais frequência entre os prisioneiros afrodescendentes. Isso levou a um segundo estudo, que durou 25 anos. Nesse estudo, “um grupo relativamente pequeno de homens afrodescendentes, sabidamente suscetíveis a essa reação adversa, foi exposto repetidamente à primaquina, com coleta contínua de amostras de sangue para determinar a causa genética”.

Segundo Tabery, esses estudos contribuíram para o desenvolvimento da ética em pesquisa, pois “a comunidade científica e médica começou a entender que o conceito de consentimento em contextos altamente coercitivos, como as prisões, não é tão claro quanto se acreditava”.

Ao redirecionar o foco da pesquisa antimalárica da década de 1940 — com prisioneiros brancos — para os estudos posteriores sobre sensibilidade à primaquina com prisioneiros afrodescendentes, observa-se que a questão não era apenas que os segundos tiveram uma experiência mais dolorosa, mas que havia implicações éticas mais amplas do que o mero consentimento. Por exemplo, os pesquisadores trouxeram familiares dos prisioneiros afrodescendentes para rastrear a linhagem genética da sensibilidade à primaquina, o que questiona como as dinâmicas coercitivas podem ultrapassar os muros da prisão. Além disso, os pesquisadores pagaram menos aos participantes afrodescendentesdos estudos de reações adversas do que aos participantes brancos do estudo original sobre malária.

Embora a base genética da sensibilidade a certos medicamentos seja conhecida desde 1956, sua aplicação clínica ainda é limitada por custos e problemas logísticos — como ocorre com o teste de sensibilidade à primaquina em regiões endêmicas de malária.

“Uma lição importante para cientistas e geneticistas que buscam recrutar populações diversas para participar da pesquisa é que devemos ter muita cautela ao prometer que a participação ajudará a combater desigualdades em saúde nessas comunidades.”

Isso é especialmente relevante em países de baixa e média renda, onde, apesar de se saber que fatores genéticos influenciam as respostas aos medicamentos, os sistemas de saúde não estão preparados para realizar tais testes.

Fonte Original

  1. Annika Inampudi. Historical records expose role of Black inmates in unethical malaria studies decades ago. Science, 11 Jun 2025 https://www.science.org/content/article/historical-records-expose-role-black-inmates-unethical-malaria-studies-decades-ago

Referência

  1. Allen H, Tabery J. The Black Prisoners of Stateville: Race, Research, and Reckoning at the Dawn of Precision Medicine. JAMA. 2025;334(3):209–211. doi:10.1001/jama.2025.8024 https://jamanetwork.com/journals/jama/article-abstract/2835218
creado el 10 de Noviembre de 2025