Salud y Fármacos is an international non-profit organization that promotes access and the appropriate use of pharmaceuticals among the Spanish-speaking population.

Conflitos de Interesse

Implicações e efeitos das táticas da indústria farmacêutica para promover o consumo de opioides

Salud y Fármacos
Boletim Fármacos: Ética 2025; 3(3)

Tags: Grünenthal, tapentadol, dependência de opioides, tratamento da dor, dor oncológica, crise dos opioides, abuso de medicamentos

A farmacêutica alemã Grünenthal implementou uma estratégia que incluía o financiamento e a concessão de bolsas a médicos com o objetivo de aumentar a prescrição de seus analgésicos opioides, especialmente o tapentadol na América Latina. Essa tática, que envolveu desde o financiamento de estudos clínicos e a concessão de bolsas até a organização de eventos educacionais, tem sido criticada por impactar negativamente os hábitos de prescrição dos médicos, que tendem a retribuir os “favores” aumentando — muitas vezes sem perceber — prescrições desnecessárias de opioides. Ou seja, reconhece-se que esses “presentes”, por mais insignificantes que pareçam, têm um efeito sutil e geram conflitos de interesse para os prescritores, que ficam entre cumprir sua obrigação de oferecer o melhor cuidado ao paciente e satisfazer os interesses da indústria.

A estratégia da Grünenthal para aumentar as vendas de opioides na América Latina é muito semelhante à utilizada por outras empresas que desencadearam a epidemia de consumo de opioides que, entre 1999 e 2019, causou mais de meio milhão de mortes nos Estados Unidos. Felizmente, e provavelmente com base nas lições aprendidas naquele país, a comunidade médica latino-americana tem reagido com preocupação diante das táticas de marketing empregadas pela empresa e da falta de evidências robustas que sustentem as alegações sobre a segurança do tapentadol [1–2].

A Grünenthal promoveu o tapentadol como uma alternativa mais segura aos opioides tradicionais, minimizando seus riscos de dependência e destacando um suposto perfil de segurança superior. A estratégia surtiu efeito: investigações revelam que essa promoção levou a um aumento nas prescrições do medicamento. Na Colômbia, por exemplo, o tapentadol foi o terceiro produto mais vendido da Grünenthal em 2022 e 2023 [2–3]. No entanto, em escala global, já foram registrados múltiplos casos de dependência, abuso e outros problemas graves de saúde pública associados ao tapentadol [4]. Especialistas afirmam que não há provas conclusivas de que o tapentadol seja menos viciante que outros opioides [5–6].

Diversas investigações jornalísticas questionaram as práticas da empresa [1–2, 5–6], apontando que essas estratégias podem comprometer a independência dos profissionais de saúde e favorecer um aumento nas prescrições de opioides — algo que, em outros países, elevou os casos de dependência e abuso dessas substâncias.

Em resposta às críticas, a Grünenthal declarou estar comprometida com o uso médico responsável dos analgésicos opioides [7]. A empresa reconhece a importância de que os pacientes recebam tratamento adequado para a dor e estejam cientes dos benefícios e riscos das opções disponíveis. A Grünenthal enfatiza que as necessidades dos pacientes estão no centro do desenvolvimento e uso terapêutico de seus medicamentos, e publicou um documento no qual, além de reconhecer o direito das pessoas ao tratamento da dor, declara que a dor deve ser considerada uma doença.

A empresa afirma estar comprometida com o desenvolvimento de analgésicos inovadores com perfis de segurança aprimorados, por meio de tecnologias de formulação e mecanismos de ação diferenciados — incluindo opioides mais seguros e analgésicos não opioides. Além disso, a Grünenthal destaca a importância de trabalhar com a comunidade médica patrocinando a educação médica continuada, e declara que um de seus objetivos é minimizar os riscos associados ao uso de opioides e garantir que os pacientes que necessitem tenham acesso a tratamentos eficazes e seguros. Enquanto isso, o abuso desses medicamentos continua aumentando, assim como os múltiplos efeitos adversos que seu uso acarreta.

A estratégia da Grünenthal para promover o tapentadol na América Latina tem múltiplas implicações para a saúde pública, tanto no que diz respeito ao acesso ao tratamento da dor quanto ao risco de um possível aumento da dependência de opioides.

O financiamento concedido aos médicos e as campanhas de promoção do tapentadol como uma alternativa mais segura podem ter contribuído para o aumento das prescrições na região. Embora os opioides sejam essenciais no tratamento da dor oncológica aguda, seu uso inadequado gera dependência e abuso — como já ocorreu em outros países, especialmente nos Estados Unidos, onde a crise dos opioides gerou uma emergência de saúde pública.

Na América Latina, onde os sistemas de saúde têm capacidade limitada para lidar com transtornos por uso de opioides, um aumento descontrolado nas prescrições pode gerar um problema difícil de ser administrado. Por isso, é fundamental manter uma regulação e uma vigilância mais rigorosas para proteger a saúde das pessoas expostas ao risco do consumo inadequado de opioides.

A falta de evidências conclusivas sobre o menor potencial de dependência do tapentadol torna ainda mais crítico esse debate, já que sua prescrição pode estar respondendo mais às estratégias comerciais do que à evidência clínica robusta.

Embora a educação médica continuada seja fundamental para garantir que os profissionais estejam atualizados quanto às melhores opções terapêuticas, é essencial que essa formação seja imparcial, baseada em evidências científicas verificáveis e livre de conflitos de interesse. A formação médica não deve ser financiada pela indústria farmacêutica, para que esse espaço educacional não se transforme em plataforma de promoção dos tratamentos mais lucrativos para as empresas.

Se a promoção do tapentadol levou ao aumento de seu uso na América Latina, é necessário e urgente que as autoridades de saúde revisem e fortaleçam as regulamentações sobre sua prescrição, com base nas melhores evidências científicas disponíveis e na experiência de outros países [8]. Isso pode incluir medidas como: monitoramento mais rigoroso das receitas médicas, campanhas de conscientização sobre os riscos do uso prolongado de opioides, e a implementação de programas de manejo da dor que incluam terapias não medicamentosas e o uso de analgésicos não opioides, quando adequado.

Por outro lado, restringir o acesso aos opioides por medo da dependência também pode ter efeitos negativos para pacientes com dor oncológica de difícil controle. Em muitos países da América Latina, o acesso a analgésicos potentes ainda é limitado, o que compromete a qualidade de vida de pessoas com doenças terminais. A controvérsia em torno do tapentadol destaca a necessidade de se encontrar um equilíbrio entre garantir o acesso a tratamentos eficazes e prevenir o abuso de opioides.

Conclusão: o caso da Grünenthal na América Latina ressalta a importância de estabelecer regulamentações sólidas para a prescrição adequada de opioides, assegurando que as decisões médicas se baseiem em evidência científica e não em incentivos comerciais. Também destaca a necessidade de fortalecer os sistemas de saúde para lidar de forma eficaz tanto com a dor de difícil controle quanto com os riscos de dependência. As autoridades de saúde da região devem estar atentas à experiência de outros países que enfrentaram crises relacionadas ao uso de opioides, e adotar estratégias que protejam tanto os pacientes que necessitam desses medicamentos quanto aqueles que correm o risco de desenvolver transtornos por seu uso inadequado.

Referências

  1. Investigación periodística liderada por The Examination y coordinada por el Centro Latinoamericano de Investigación (CLIP) en la región, junto con aliados de Salud con Lupa en Perú y El Espectador en Colombia. Financiar y becar a médicos: así Grunenthal vende más opioides en América latina. El Espectador, 20 de marzo, 2025. Disponible en: https://www.elespectador.com/salud/financiar-y-becar-a-medicos-la-estrategia-de-la-farmaceutica-grunenthal-para-vender-mas-opioides-en-america-latina/ CLIP, disponible en: https://www.elclip.org/category/investigaciones/un-mundo-de-dolor/
  2. Silva Numa, S. La táctica de una farmacéutica para expandirse con sus medicamentos para el dolor. El Espectador, 23 de marzo, 2025. Disponible en: https://www.elespectador.com/salud/la-tactica-de-una-farmaceutica-para-expandirse-en-colombia-con-sus-medicamentos-para-el-dolor/
  3. Mirabella J, Ravi D, Chiew AL, Buckley NA, Chan BS. Prescribing trend of tapentadol in a Sydney local health district. Br J Clin Pharmacol. 2022 Sep;88(9):3929-3935. doi: 10.1111/bcp.15448. Epub 7 de julio de 2022. PMID: 35763675; PMCID: PMC9544395. Disponible en: https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC9544395/
  4. Mukherjee, D; Shukla, L; Saha, P; et al. Tapentadol abuse and dependence in India. Asian Journal of Psychiatry. Vol 49, Marzo 2020, 101978. doi.org/10.1016/j.ajp.2020.101978 https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S1876201820300861
  5. Boytchev, H; Davies, M; Cabrera, R. Grünenthal pushed its latest opioid as a safer option. People around the world got hooked. The Examination, 20 de marzo de 2025. Acceso libre en inglés en: https://www.theexamination.org/articles/gruenenthal-pushed-its-latest-opioid-as-a-safer-option-people-around-the-world-got-hooked
  6. Salud con lupa, acceso libre en español en: https://saludconlupa.com/noticias/grunenthal-vendio-su-ultimo-opioide-como-una-opcion-mas-segura-personas-en-todo-el-mundo-resultaron-adictas/
  7. Posición oficial de Grunenthal sobre el uso médico de analgésicos opioides en el dolor, Estatus 2024: https://www.latam.grunenthal.com/es-mx/sobre-nosotros/nuestra-responsabilidad/posicion-de-grunenthal-sobre-opioides
  8. Suresh J, Shukla S, Vivekanandan K, et al. Tapentadol: navigating the complexities of abuse, patient safety & regulatory measures. Psyquiatry journal. Nov 2024. Disponible en https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/03007995.2024.2427881
creado el 7 de Agosto de 2025