No ensaio clínico conduzido pela Pfizer, a terapia gênica cumpriu seu papel esperado: as crianças que a receberam durante o ensaio de fase 3 passaram a produzir quantidades significativas de microdistrofina. Em princípio, isso deveria ter contribuído para retardar o avanço da distrofia muscular de Duchenne, uma doença que, a partir dos 12 anos de idade, pode fazer com que os pacientes percam a capacidade de andar e reduz sua expectativa de vida para menos de 30 anos. No entanto, o tratamento não apresentou qualquer benefício. Os resultados de diversos testes de função muscular — utilizados para avaliar a eficácia da intervenção — demonstraram que, em comparação com o grupo que recebeu placebo, as crianças tratadas não apresentaram melhora, segundo informações da Statnews [1].
Como consequência, a Pfizer decidiu interromper o desenvolvimento de sua terapia gênica para Duchenne, evitando que o impasse científico gerado pelos dados impactasse a empresa. No entanto, de acordo com a Statnews, essa situação pode representar um desafio significativo para a FDA (agência reguladora dos EUA), para a Sarepta e para empresas como a RegenxBio e a Solid Biosciences. A grande questão a ser respondida é até que ponto as microdistrofinas — genes sintéticos e altamente reduzidos — de fato funcionam, e qual deveria ser o padrão de exigência para aprovação de novas terapias gênicas voltadas às pessoas com distrofia de Duchenne.
As microdistrofinas foram desenvolvidas pela primeira vez na década de 1990, uma vez que a distrofina natural é grande demais para ser inserida nos vírus usados como vetores na administração da terapia gênica. Em 2022, a Sarepta solicitou à FDA a aprovação acelerada de sua terapia, argumentando que a microdistrofina funcionaria como um biomarcador indireto, ou seja, uma medida com “probabilidade razoável de prever um benefício clínico”. A empresa alegou que seu medicamento induzia a produção de quantidades significativas de microdistrofina nas células musculares dos pacientes.
Apesar disso, revisores técnicos e funcionários da FDA se opuseram à aprovação. O único ensaio clínico randomizado conduzido pela Sarepta havia falhado em demonstrar eficácia. Mesmo assim, Peter Marks, principal responsável pelas terapias gênicas na agência, desconsiderou a opinião de sua equipe técnica e concedeu aprovação acelerada ao tratamento, chamado Elevidys, para meninos de 4 e 5 anos de idade. Essa decisão abriu caminho para que outras empresas buscassem aprovação acelerada de suas terapias para Duchenne, baseando-se apenas na capacidade de seus produtos em induzir a produção de microdistrofina em níveis suficientes.
Posteriormente, um ensaio clínico de fase 3 com o Elevidys também não conseguiu atingir seu desfecho primário, que era a melhora da função muscular geral. No entanto, os resultados obtidos em desfechos secundários foram suficientes para que Marks concluísse — mais uma vez contrariando os revisores — que havia uma correlação entre a presença de microdistrofina e a função muscular, e que, por isso, a aprovação do Elevidys deveria ser ampliada para praticamente todos os pacientes com a doença.
Os dados apresentados pela Pfizer colocam em dúvida essa decisão praticamente unilateral de Marks. Durante a reunião da Sociedade Mundial do Músculo, foi demonstrado que as crianças tratadas com a terapia da Pfizer produziram, em média, quase tanta microdistrofina quanto indivíduos saudáveis. Ainda assim, o tratamento não trouxe benefício muscular mensurável. Wilson Bryan, ex-alto funcionário da FDA que já havia manifestado dúvidas quanto ao uso da microdistrofina como critério de avaliação para a aprovação acelerada, afirmou que os dados da Pfizer sugerem que os níveis desses genes sintéticos “não predizem benefício clínico na distrofia de Duchenne”.
Embora as microdistrofinas utilizadas em cada programa terapêutico sejam baseadas na proposta original feita por Jeff Chamberlain nos anos 1990, cada versão é diferente. Até o momento, não se sabe o quanto essas diferenças são relevantes. Há quem acredite que tanto os medicamentos da Sarepta quanto os da Pfizer funcionem, mas que é necessário estudá-los por um período mais longo e em pacientes adequados para que os pesquisadores possam identificar com clareza se a microdistrofina realmente consegue retardar o processo de deterioração muscular.
Nenhum dos especialistas consultados pela Statnews acredita que os dados da Pfizer levarão a FDA a reconsiderar a aprovação regular concedida ao Elevidys da Sarepta. No entanto, a aceitação do tratamento entre os médicos tem sido limitada, principalmente devido ao benefício ambíguo que ele apresenta. Nesse sentido, os dados da Pfizer não contribuem para aumentar a confiança no uso da terapia.
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