O estudo da semana explora os desafios de extrair conhecimento quando os ensaios procuram imitar o mundo ruidoso da prática clínica.
Hoje falamos sobre o ambiente e os procedimentos de um ensaio clínico, e sobre como esses fatores influenciam a aplicação dos resultados aos pacientes.
Considere dois extremos: em um ensaio clínico, os pacientes devem permanecer rigorosamente no tratamento ao qual foram designados, sem desvios; no outro, permite-se ampla liberdade clínica e o cruzamento entre tratamentos. Este último é chamado de ensaio clínico pragmático. No entanto, é importante observar que o pragmatismo não é dicotômico — todos os ensaios clínicos apresentam diferentes graus de pragmatismo.
Mas, para efeito de ilustração, consideraremos aqui os extremos: altamente restritivo versus altamente pragmático.
O ensaio clínico restritivo permite avaliar com clareza o desempenho dos tratamentos. A desvantagem é que ele não reflete a realidade da prática médica. Já a vantagem do ensaio pragmático é que, ao imitar a prática clínica, seus resultados são mais generalizáveis. A desvantagem, porém, é que a liberdade clínica e o cruzamento entre tratamentos introduzem confusão, dificultando a distinção dos efeitos reais de cada intervenção.
A revista JAMA publicou o ensaio clínico A2B, que comparou três fármacos usados na sedação de pacientes intubados em UTI [1,2]. Não é preciso ser médico intensivista para aprender com este estudo.
Informações básicas: pacientes conectados a respiradores precisam de algum tipo de sedação. Diversos medicamentos podem ser utilizados, e há debate sobre qual é o melhor. O mais usado é o propofol, conhecido por sua aparência leitosa.
O propofol, contudo, tem desvantagens. Por isso, uma equipe liderada por pesquisadores de Edimburgo, Escócia, planejou uma comparação tripla entre dexmedetomidina, clonidina e propofol. A dexmedetomidina e a clonidina são sedativos baseados em agonistas dos receptores adrenérgicos α2 (você talvez conheça a dexmedetomidina pelo nome comercial Precedex).
Foram incluídos pouco mais de 1.400 pacientes que deveriam permanecer intubados por mais de um dia.
Os procedimentos do ensaio foram um ponto-chave. O estudo foi aberto, e os médicos ajustaram as doses de acordo com o nível de sedação necessário. Permitiu-se o uso adicional de propofol nos grupos tratados com agonistas α2, conforme julgamento clínico. Os protocolos de extubação seguiram diretrizes do ensaio, mas, novamente, os médicos usaram seu próprio critério.
O desfecho primário foi o tempo desde a randomização até a extubação bem-sucedida. Os desfechos secundários incluíram mortalidade em 6 meses, qualidade da sedação, taxas de delírio e eventos cardíacos. A hipótese inicial era que os fármacos não baseados em propofol reduziriam o tempo até a extubação.
Resultados:
Em resumo, não houve diferenças significativas no desfecho primário (tempo até a extubação) em comparação com o propofol. O tempo médio até a extubação bem-sucedida foi ligeiramente menor nos grupos que receberam agonistas α2, mas sem significância estatística.
Não houve interações significativas entre os subgrupos pré-definidos.
Resultados secundários relevantes:
Conclusão dos autores:
Em pacientes críticos, nem a dexmedetomidina nem a clonidina foram superiores ao propofol para reduzir o tempo até a extubação bem-sucedida.
Comentários:
Se você é médico de UTI — ou apenas um paciente bem informado —, qual seria a conclusão deste estudo?
Poderia dizer: “Está provado. Continuemos com o propofol de sempre.” Os agonistas α2 não funcionaram melhor, e, além disso, a qualidade da sedação foi pior sem propofol.
Por outro lado, poderia concluir que, como não houve diferença significativa, qualquer uma das três opções é aceitável.
A principal tensão — e o motivo pelo qual o estudo merece destaque — está no seu caráter altamente pragmático.
Primeiro, o estudo foi aberto, o que é importante: médicos podem tratar os pacientes de maneira diferente quando sabem qual medicamento estão administrando. Isso pode afetar, por exemplo, a decisão de extubação (o desfecho principal).
Segundo, os pacientes tratados com dexmedetomidina e clonidina puderam receber propofol adicional para alcançar sedação adequada — e mais de 75% desses pacientes o receberam em doses baixas. Clinicamente, isso é aceitável; metodologicamente, contudo, complica a interpretação, pois os agonistas α2 só reduzem o tempo de extubação se permitirem sedação mais leve e menor depressão respiratória.
Percebe o problema?
O desenho aberto é realmente desafiador, pois aceita diferenças no comportamento clínico. No entanto, é praticamente impossível cegar 1.400 pacientes em uma UTI quando um medicamento é branco e leitoso e os outros são transparentes. Assim, o ensaio é conduzido, aceitando-se o ruído.
Da mesma forma, os protocolos de sedação que permitem o cruzamento de fármacos são tolerados porque imitam a prática real e facilitam o recrutamento. Se fosse dito aos pacientes (e médicos) que não haveria possibilidade de trocar de tratamento, talvez ninguém aceitasse participar. Portanto, faz-se o ensaio pragmático — e aceita-se a confusão.
No final, como observador externo, não estou certo de que tenhamos uma resposta definitiva. Acredito que o bom e velho propofol continua funcionando muito bem.
Como escrevem os editorialistas, talvez não obtenhamos uma resposta clara simplesmente porque ela não existe. Talvez não haja um único agente sedativo ideal — e talvez devêssemos aceitar que o melhor protocolo de sedação depende de médicos experientes que saibam combinar os fármacos conforme cada situação.
De certo modo, gosto dessa conclusão. Mas não saberíamos disso sem o ensaio A2B.
Parabéns à equipe de Edimburgo!
Referências