O Dr. Anis Rassi Jr. ajudou no desenho deste ensaio. Ele acabou renunciando à autoria devido a falhas na conduta e na denúncia do ensaio clínico. O JAMA-Cardiology recusou-se a publicar suas preocupações.
Um dos objetivos da Sensible Medicine é dar voz às avaliações críticas que são rejeitadas pelas revistas médicas. Há duas mensagens importantes na avaliação do Dr. Rassi: [1] os erros específicos que esse ensaio poderia induzir no tratamento de pacientes com cardiomiopatia chagásica; mas a mensagem principal é [2] o que isso diz sobre a conduta científica e a publicação.
A primeira seção é a explicação do Dr.. Rassi de suas interações com a revista; a segunda seção é uma lista detalhada de críticas e erros no artigo.
O Ensaio CHAGASICS: Uma falha Preocupante da Revisão por Pares em Uma Importante Revista de cardiologia
(The CHAGASICS Trial: A Disturbing Failure of Peer Review at a Leading Cardiology Journal)
Anis Rassi Jr., MD, PhD, FAHA, FACP, FACP, Diretor Científico do Hospital Anis Rassi, Goiânia, Brasil
Enviei uma carta ao editor sobre o ensaio CHAGASICS, publicado recentemente no JAMA Cardiology [1]. Foi-me recomendado enviar formalmente uma carta ao editor expondo minhas preocupações. Essa carta foi rejeitada pelo editor-chefe.
Isso me impeliu a compartilhar minha análise detalhada do ensaio CHAGASICS e os slides de uma apresentação recente que fiz no Congresso Brasileiro de Arritmias [2]. Meu objetivo é esclarecer a respeito da qualidade dos artigos científicos que estão sendo publicados.
Estou curioso para ver como o JAMA Cardiology abordará os inúmeros erros que deixou passar em seu processo de revisão: Manterão o status quo, desconsiderando as discrepâncias identificadas? Implementarão correções para os diversos erros identificados na revisão por pares após a publicação e se apropriarão das descobertas, ou os autores emitirão uma retratação, atribuindo essas inconsistências substanciais a meros erros tipográficos – podendo até potencialmente eliminar os comentários existentes sobre essas discrepâncias do manuscrito?
Seria preocupante se essas correções fossem feitas sem reconhecer que esses problemas metodológicos foram inicialmente identificados a partir de uma correspondência que a revista se recusou a publicar.
23 de outubro de 2024
Ao Conselho Editorial do JAMA Cardiology,
Escrevo para expressar minhas profundas preocupações com respeito à publicação do ensaio CHAGASICS [1]. O objetivo do ensaio era avaliar o papel dos cardioversores desfibriladores implantáveis (CDI) comparando-os com a amiodarona em pacientes com cardiomiopatia chagásica crônica, porém o ensaio apresenta muitos erros críticos que comprometem seus resultados.
A grande quantidade de falhas metodológicas, erros de cálculo, interpretação errônea da literatura e omissão de dados cruciais é profundamente preocupante. Esses erros são inaceitáveis e levanta sérias questões sobre o processo de revisão por pares que permitiu que esse ensaio fosse publicado em sua forma atual.
Essa redução drástica no poder estatístico não foi reconhecida adequademente no manuscrito. Uma redução tão grande no poder estatístico limita a capacidade do estudo de detectar diferenças reais entre os grupos. Tendo isso em mente, os resultados relatados, como a redução nas hospitalizações por insuficiência cardíaca em três anos e até mesmo a questionável redução na mortalidade total nos primeiros anos de acompanhamento, são provavelmente o efeito de ruído estatístico.
As deficiências apresentadas pressupõem que o CHAGASICS tinha a potência adequada — da qual não tinha.
Essa modificação, particularmente problemática devido ao tamanho reduzido da população do estudo, exacerbou os desequilíbrios nas características iniciais, incluindo a distribuição dos escores Rassi e o gênero masculino. Essas exclusões após a randomização violam os princípios do ITT, que existem para preservar a comparabilidade entre os grupos. Os autores não reconheceram esse desvio significativo da prática padronizada.
Esse erro ocorreu porque os autores calcularam as porcentagens com base no número total de pacientes (323) em vez dos valores apropriados dos grupos (157 para CDI e 166 para amiodarona). Por exemplo, o uso de betabloqueadores no final do monitoramento foi reportado como 38,1% no grupo CDI, mas a porcentagem correta, baseada em 123 dos 157 pacientes no grupo CDI, é 78,3%. Esse erro deturpa a interpretação do uso de medicamentos no estudo. Todas as outras porcentagens de medicamentos reportadas no final do monitoramento estão igualmente incorretas.
A declaração no artigo, “Reconhecemos que, apesar das instruções explícitas do protocolo com relação à terapia médica, o baixo uso de inibidores da enzima de conversão da angiotensina, bloqueadores do receptor da angiotensina II e β-bloqueadores pode ter influenciado os desfechos de morte por IC e internação” (eTabela 7 no Suplemento 2), está incorreta.
Longe de mostrar uma redução, a utilização de medicamentos aumentou durante o período do estudo, o que se alinha com o curso clínico esperado desses pacientes.
Como um erro tão básico de aritmética pode passar despercebido pelo autor, coautores, revisores e editores?
Esse registro seletivo não só é enganoso, mas também metodologicamente suspeito. Conforme relatado, questiono se os pacientes foram simplesmente deixados para morrer em casa devido à insuficiência cardíaca, o que explicaria a suposta redução das internações.
Esse não é um pequeno erro. Ele demonstra uma falta fundamental de rigor na divulgação de dados básicos. Como outro erro aritmético óbvio pode ser aprovado na revisão por pares? Isso põe em dúvida a precisão geral dos dados apresentados no estudo.
Se a amiodarona foi usada no grupo do CDI, o cruzamento se torna um grande problema, e a comparação passa a ser entre amiodarona versus amiodarona + CDI, e não apenas CDI versus amiodarona.
A falta de clareza sobre esse ponto crucial levanta dúvidas significativas sobre a integridade e as conclusões do estudo. Como um dos desenhistas originais do estudo CHAGASICS, tenho conhecimento em primeira mão dos autores do estudo de que a maioria dos pacientes do grupo CDI recebeu amiodarona à medida que o estudo avançava. Esse fato importante, que não consta na publicação, precisa ser esclarecido. Sem isso, a interpretação dos resultados se torna questionável. É fundamental mencionar que, como pesquisador principal, estive envolvido desde o início do estudo até sua conclusão. O objetivo principal do estudo era determinar se o escore Rassi poderia orientar a seleção do tratamento entre CDI e amiodarona para pacientes com cardiomiopatia chagásica, com mortalidade por todas as causas como desfecho primário.
Dadas as minhas preocupações com relação à apresentação e interpretação planejadas dos resultados do estudo, retirei minha autoria antes do envio do manuscrito ao periódico. Essa decisão foi minha, para garantir que minha crítica não pudesse ser vista como decorrente da minha exclusão do estudo. (Nota do editor: O Dr. Rassi Jr. é o segundo autor do artigo segundo o documento de desenho [3]).
Também é importante observar que a apresentação dos resultados parece favorecer o escore de Rassi [5] como uma ferramenta útil para orientar o uso do CDI na prevenção primária da doença de Chagas. Porém, o estudo não tem o poder estatístico e o rigor metodológico para apoiar essa conclusão. Isso é particularmente preocupante, já que a validação do escore de Rassi para essa finalidade representaria um grande avanço no campo da gestão da doença de Chagas e poderia influenciar significativamente a tomada de decisão clínica. Fazer tais afirmações sem evidências de apoio adequadas poderia levar a aplicações clínicas impróprias do escore.
Nenhum estudo prévio incluiu isso como um desfecho significativo, pois é redundante e irrelevante nesse contexto. Além disso, se considerarmos a internação por qualquer motivo, o grupo do CDI teria naturalmente taxas de internação mais altas porque o próprio implante do CDI requer internação hospitalar.
Em um estudo em aberto, a adjudicação independente é essencial para garantir o relato imparcial de tais resultados.
Embora alguns desfechos secundários sugiram benefícios do CDI (redução de morte súbita cardíaca, internações por insuficiência cardíaca e necessidade de marca-passo), essas descobertas positivas devem ser interpretadas com extrema cautela, dado o baixo poder estatístico do estudo e o aumento do risco de resultados falso-positivos em análises secundárias (erro Tipo I). Seria necessário um estudo maior e com potência adequada para determinar definitivamente o benefício da mortalidade e a confiabilidade dos resultados secundários observados.
Mesmo deixando de lado a questão do poder estatístico, as conclusões apresentadas pelos autores são problemáticas por várias motivos:
Ironicamente, evitar o CDI pode resultar em uma morte mais digna por parada cardíaca súbita do que por um declínio prolongado da insuficiência cardíaca, que o CDI não pode evitar. Além disso, quase todos os pacientes do grupo do CDI ainda necessitam de amiodarona (minha própria suposição), o que complica a narrativa da eficácia do CDI apresentada pelos autores.
Considerando a abordagem dos autores (manipulação da linguagem para distorcer os resultados, destacando os supostos benefícios do tratamento experimental (CDIs), apesar das diferenças estatisticamente não significativas no resultado primário), esse ensaio corre o risco de ser citado seletivamente para apoiar essa iniciativa.
O estudo CHAGASICS não atendeu a esses critérios. A falta de transparência, a falta em relatar dados importantes e a análise estatística errônea desafiam severamente a validade de suas conclusões.
Por esses motivos, acredito firmemente que o conselho editorial deve reconsiderar a inclusão do estudo no JAMA Cardiology e questionar se um estudo com tantas questões críticas deve permanecer na literatura científica.
Não se pode simplesmente dizer “não existe diferença” ou “não reduziu o risco”
É preciso reconhecer o risco de perder efeitos reais (erro do Tipo II)
É preciso dizer “inconclusivo” em vez de “negativo ou neutro”
Não podem ser aceitos pelo seu simples valor nominal
É preciso reconhecer o alto risco de falsos positivos
É preciso ter mais cautela em estudos de baixa potência
Permanecer vigilante com relação a relatos científicos distorcidos
Estudos de baixa potência são problemáticos em AMBAS as direções
Podem perder efeitos reais (erros do Tipo II)
Podem produzir resultados positivos não confiáveis (erros do Tipo I)
A potência adequada é crucial para uma pesquisa confiável
Referências