A saúde representa um direito humano fundamental, e a garantia de acesso igualitário a medicamentos é crucial para garantir a saúde pública. O atual sistema que rege a inovação farmacêutica depende fortemente do setor privado, e a remuneração pela inovação é baseada principalmente em exclusividades. Tal sistema apresenta vários desafios, como o fato de a inovação ser impulsionada pelo tamanho do mercado, o desalinhamento parcial entre as prioridades de pesquisa e desenvolvimento da indústria e metas de saúde pública, restrições de acesso ao mercado e a prevalência da inovação incremental sobre a disruptiva.
Nesse contexto, este estudo analisa os efeitos que têm diferentes mecanismos de incentivo à pesquisa e desenvolvimento, além de estruturas alternativas para a inovação farmacêutica e a saúde pública. Ele destaca especificamente seus efeitos sobre a inovação e sobre o acesso aos medicamentos por pacientes, tanto em termos de acessibilidade quanto de disponibilidade.
Com base numa extensa revisão da literatura combinada com entrevistas com especialistas de partes interessadas, o estudo oferece uma série de opções para orientações. Elas buscam garantir o desenvolvimento de medicamentos acessíveis em todas as áreas clínicas, melhorar a disponibilidade, o preço e a transparência de custos de pesquisa e desenvolvimento, além de garantir o preparo em caso de emergências.
As orientações sugeridas incluem o fortalecimento da coordenação pela UE sobre direitos de propriedade intelectual e aquisição de medicamentos, a redução do prazo de exclusividades além da introdução de incentivos específicos (modelos de assinatura) não ligados ao tamanho do mercado para necessidades médicas específicas não atendidas (antimicrobianos e doenças raras com prevalência extremamente baixa). Outra sugestão é a criação de uma infraestrutura pública ativa durante todo o processo de pesquisa e desenvolvimento de medicamentos. Uma combinação de políticas excederia a soma de seus componentes, assim gerando sinergia adicional.
Nota de Salud y Fármacos. Essa Avaliação de Opções Científicas e Tecnológicas do Parlamento Europeu (European Parliament’s Science and Technology Options Assessment ou STOA) foi publicada, removida da web alguns dias depois e, posteriormente, reapareceu.
A Politico publicou um artigo sobre o desaparecimento do relatório [1] e afirma que, embora o eurodeputado Christian Ehler negue ter conversado com grupos de lobby sobre o relatório, o lobby farmacêutico(Federação Europeia das Associações e Indústrias Farmacêuticas ou EFPIA) confirma que, em 19 de outubro, dois eurodeputados (Ehler e Weiss) se reuniram em uma tentativa de desacreditar um relatório que criticava o lucrativo sistema de incentivos da indústria que seria apresentado no dia seguinte. Posteriormente, a EFPIA enviou e-mails aos integrantes resumindo as questões discutidas durante a reunião e enviou uma cópia ao secretário do STOA para garantir a transparência.
O relatório pretendia para ser uma pesquisa independente encomendada pelo Painel para o Futuro da Ciência e Tecnologia (STOA), cuja missão é ajudar os deputados a estarem bem-informados. Ehler preside o grupo STOA e Weiss é o principal legislador do Parlamento em metade da legislação de reforma farmacêutica. Ehler foi um dos três eurodeputados alemães de centro-direita que escreveram uma carta para a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, pedindo que ela tornasse a próxima revisão da legislação farmacêutica mais favorável à indústria.
O estudo foi publicado, mas quase imediatamente a Weiss solicitou que ele fosse removido da página do site. Posteriormente, os dois legisladores enviaram perguntas separadas aos autores do estudo, que refletiam as preocupações da indústria.
Além disso, os dois legisladores mantêm uma relação amorosa entre si. Quando perguntado se esse fato havia sido revelado a outros membros do painel STOA, um assessor de imprensa do Parlamento deu a entender que isso não era exigido pelo código de conduta do Parlamento, que detalha as regras que os legisladores devem seguir para evitar conflitos de interesse.
“O Grupo STOA não é um órgão decisório do PE. Não há relatores, relatórios, votos, decisões e nem legislação, portanto, não se espera nenhum conflito de interesses na estrutura geral do STOA. O Código de Conduta afeta atividades parlamentares e não estudos”.
Cronologia de um relatório que desaparece
19 de outubro – Apresentação do relatório: Os autores de um rascunho de relatório acadêmico sobre “Melhorar o acesso a medicamentos e promover a inovação farmacêutica” o apresentaram ao grupo de especialistas do STOA. Ehler e Weiss fizeram perguntas durante a apresentação, e Ehler disse que perguntas de acompanhamento por escrito seriam enviadas aos pesquisadores.
25 de outubro – Lobby 1: Boris Azaïs, diretor de políticas públicas para a Europa e o Canadá da empresa farmacêutica Merck Sharp & Dohme (MSD), enviou um e-mail a Ehler e Weiss, ao chefe da secretaria do STOA, Marcus Scheuren, mas a nenhum outro membro do Parlamento Europeu, relatando suas objeções ao relatório.
26 de outubro – Lobby 2: Alexandra Tamas, diretora de relações públicas da EFPIA, enviou suas próprias objeções aos mesmos dois eurodeputados, com cópia para Scheuren, dizendo que esperava que os eurodeputados “achassem esses comentários úteis, tendo em vista a decisão de publicar o estudo”. Scheuren repassou os e-mails aos pesquisadores.
27 de outubro: publicação do relatório, e depois, a solicitação de Weiss por sua retirada. Weiss enviou um e-mail invocando as regras do painel e solicitando que fosse retirado o relatório. A regra do STOA citada por Weiss permite que um estudo seja retido enquanto se aguarda a revisão por pares, mas a decisão deve ser tomada pelo grupo do STOA, e não por um membro individual.
30 de outubro – Retirada: O link para o estudo deixou de funcionar.
31 de outubro e 6 de novembro – Weiss e Ehler enviam perguntas de acompanhamento: O STOA finalmente publicou as perguntas por escrito enviadas por Weiss e Ehler aos pesquisadores, datadas de 31 de outubro e 6 de novembro, respectivamente. As perguntas refletem as preocupações da indústria. Por exemplo, elas levantaram dúvidas sobre se a aquisição conjunta de medicamentos faz sentido, a adequação da infraestrutura de pesquisa pública, as possíveis consequências da alteração do sistema de incentivo atual e os critérios para determinar quem foi incluído nas entrevistas do estudo.
23 de novembro – Reunião do painel do STOA: Uma reunião para a apresentação de dois relatórios sobre a situação da liberdade acadêmica na Europa se converteu em uma discussão sobre o fim do estudo sobre medicamentos. Weiss, que estava presente, não falou nada. Ehler e Scheuren apresentaram uma frente unida, sustentando que nada de incomum havia acontecido e que era normal que um estudo fosse suspenso até que todas as perguntas pendentes fossem respondidas.
O eurodeputado do S&D Leitão Marques, responsável pelo estudo sobre o acesso a medicamentos, afirmou que não existe tal norma STOA. Se houvesse, seria “uma brecha perigosa” que permitiria aos eurodeputados enterrar qualquer estudo que não gostassem, fazendo repetidas perguntas aos autores.
Também em 23 de novembro – Publucado de novo o relatório completo, incluindo as perguntas de Weiss e Ehler e as respostas dos pesquisadores.
Fonte Original
Martuscelli, Carlo. Big Pharma lobbied MEP lovers days before drugs study was pulled offline. Politico, 1 de diciembre de 2023 https://www.politico.eu/article/christian-ehler-pernille-weiss-efpia-big-pharma-lobbying-study-panel-for-the-future-of-science-and-technology-stoa/