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Gestão de Ensaios Clínicos, Metodologia, Custos e Conflitos de Interesse

Eficácia assumida, segurança pendente: o paradoxo regulatório em matéria de variáveis de desfecho substitutas e a aprovação acelerada de medicamentos

Salud y Fármacos
Boletim Fármacos: Ensaios Clínicos 2025; 3(3)

Tags: variáveis de desfecho substitutas, aprovação acelerada de medicamentos, implicações decorrentes da adoção de variáveis de desfecho substitutas, estratégias de aprovação acelerada, avaliação de medicamentos

O Boletim de Informação Farmacoterapêutica de Navarra publicou um artigo interessante sobre o uso de variáveis indiretas ou substitutas em ensaios clínicos e sobre as consequências de sua aceitação pelas agências regulatórias para avaliar a aprovação acelerada de medicamentos [1], que resumimos a seguir.

As variáveis de desfecho substitutas são utilizadas para estimar indiretamente o efeito clínico de uma intervenção. Em alguns contextos específicos, podem ser úteis, especialmente quando o efeito não pode ser medido diretamente em um período de tempo razoável, mas devem ser devidamente validadas.

Quando se pesquisa a eficácia dos medicamentos, é mais fácil e rápido medir seu impacto nas variáveis de desfecho substitutas do que nas variáveis clínicas, mas algumas delas não refletem adequadamente a eficácia clínica do medicamento e podem levar à aprovação de medicamentos pouco úteis que aumentam os gastos com medicamentos sem trazer benefícios clínicos. No entanto, poucas variáveis indiretas ou substitutas foram validadas, pelo que muitos estudos utilizam variáveis de desfecho substitutas sem justificar a sua validade.

Os critérios de Prentice (1989) para estabelecer a validade de uma variável de desfecho substituta (a variável de desfecho substituta deve prever a variável clínica, capturar completamente o efeito do tratamento na variável clínica, e o tratamento deve demonstrar um efeito significativo, tanto na variável de desfecho substituta quanto na clínica) continuam sendo fundamentais, mas não são suficientes, é preciso levar em consideração a plausibilidade biológica e o contexto clínico.

Os pesquisadores realizaram uma pesquisa bibliográfica no MedLine, na Cochrane Library, em sites de reguladores e agências de avaliação de tecnologias de saúde e outras fontes, usando o termo “desfecho substituto” (surrogate outcome).

Em matéria de regulamentação internacional, o documento destaca as posições de cada entidade reguladora em relação ao uso de variáveis de desfecho substitutas na aprovação acelerada de medicamentos.

A FDA conta com o Programa de Aprovações Aceleradas (Accelerated Approval) desde 1992, voltado para doenças graves. As variáveis de desfecho substitutas aceitas são aquelas validadas (com evidência clínica que prediz efeitos clínicos reais) e as “razoavelmente prováveis” (sem validação suficiente, mas que se espera validar em estudos confirmatórios pós-autorização).

Entre os problemas identificados estão o fato de que os estudos confirmatórios nem sempre são realizados (apenas cerca de 50% são concluídos dentro do prazo), a escassa supervisão regulatória (falta de sanções às empresas que descumprem esse compromisso) e o baixo impacto clínico real, já que apenas 10% dos medicamentos aprovados por vias aceleradas agregam valor terapêutico aos resultados clínicos de outros tratamentos.

Na União Europeia (UE), a EMA conta com os procedimentos de autorização condicional de comercialização e avaliação acelerada (ativos desde o início dos anos 2000) e também aceita variáveis insuficientemente validadas, condicionando sua aprovação à realização de estudos posteriores.

Dois aspectos críticos são a falta de validação rigorosa, 90% dos medicamentos aprovados entre 2011 e 2018 basearam-se em variáveis de desfecho substitutas, sem validação comprovada, e a escassa transparência, uma vez que os relatórios públicos (EPAR) não explicam adequadamente como essas variáveis foram escolhidas e validadas.

Há uma tendência preocupante para a adoção do paradigma das vias adaptativas, que alarga os critérios de aprovação acelerada a todas as novas autorizações na UE. Ou seja, é dada prioridade ao acesso precoce com evidências mais fracas, com base em dados observacionais (da prática clínica ou da vida real), apesar de haver uma probabilidade muito elevada de que os dados sejam enviesados.

Entre os riscos dessa estratégia estão o acesso mais rápido a tratamentos com eficácia incerta, ganhos precoces para a indústria (possivelmente também mais elevados), maior pressão sobre os financiadores e sobre os programas de farmacovigilância e a inversão do ônus da prova (presume-se a eficácia até que se prove o contrário).

Na Alemanha (IQWiG / G-BA), são adotados critérios mais exigentes, como a aceitação apenas de variáveis de desfecho substitutas bem validadas e é exigida uma alta correlação estatística (R ≥ 0,85) com os resultados clínicos.

O relatório inclui alguns exemplos de variáveis de desfecho substitutas de uso frequente, classificadas por área terapêutica: HIV (carga viral e contagem de CD4+ bem validadas), COVID-19 (anticorpos neutralizantes não validados como preditores clínicos), diabetes (a hemoglobina glicosilada não se correlaciona consistentemente com eventos clínicos), osteoporose (o aumento da densidade óssea nem sempre se traduz em menos fraturas clínicas), doença de Alzheimer (a FDA autorizou o aducanumab por seu efeito sobre o beta-amilóide, apesar de seu benefício clínico duvidoso), câncer (uso crescente da sobrevida livre de progressão e da resposta tumoral como variáveis-chave, embora apenas 20% dos medicamentos melhorem a sobrevida global), hipertensão arterial e dislipidemia (historicamente úteis, mas com limitações dependendo do contexto clínico).

Entre as consequências do acesso acelerado a medicamentos aprovados com base em seu impacto sobre variáveis de desfecho substitutas estão resultados clínicos negativos ou potencialmente prejudiciais para as pessoas que utilizam esses produtos, aumento do risco de efeitos adversos sem tempo suficiente para implementar medidas de mitigação, falta de ensaios clínicos bem desenhados, o que enfraquece a confiança na evidência científica e coloca em risco a saúde pública.

O relatório menciona que o ônus da prova está sendo invertido porque um medicamento é aprovado assumindo sua eficácia clínica com base em variáveis indiretas, e só é questionado se efeitos negativos são demonstrados posteriormente. Este paradigma reduz o padrão de aprovação de medicamentos, uma vez que era exigida evidência científica de eficácia, acelera a exposição da população a riscos evitáveis e favorece os interesses comerciais de quem produz novos medicamentos ou introduz novas indicações para moléculas existentes.

Em conclusão, é preocupante que as autoridades sanitárias admitam variáveis com um nível de exigência cada vez menor, quando se sabe que as variáveis de desfecho substitutas requerem uma validação adequada para comprovar sua utilidade para medir o efeito clínico específico. Especificamente, nas variáveis de desfecho substitutas utilizadas para o tratamento do câncer, demência, osteoporose e patologias infecciosas ou cardiovasculares, foram identificadas inconsistências que os reguladores deveriam submeter a um escrutínio rigoroso.

Tanto a FDA quanto a EMA têm promovido a aprovação acelerada com base em variáveis de desfecho substitutas pouco sólidas, com a promessa de que serão realizados estudos confirmatórios que muitas vezes não são concluídos. Enquanto a FDA foi pioneira nessa estratégia, a EMA foi além com sua abordagem estrutural ao incorporar as “vias adaptativas”, colocando em risco a solidez da relação risco-benefício, a qualidade da evidência e a proteção da saúde pública.

O acesso prematuro a terapias farmacológicas pode resultar em uma maior incidência de reações adversas, com pouca margem para implementar estratégias de mitigação de danos. O abandono dos ensaios clínicos em benefício de desenhos preditivos ou observacionais compromete a qualidade das evidências obtidas.

Fonte original

  1. Luis Carlos Saiz Fernández. Variables subrogadas y aprobación acelerada de medicamentos ¿Hacia la inversión de la carga de la prueba? Bol Inf Farmacoter Navar. 2025;32 (1):1-17 https://doi.org/10.54095/BITN20253201 https://www.navarra.es/NR/rdonlyres/FEFC8139-8E00-4427-AEE7-FE975405B0D9/492276/Bit_v32n3.pdf (de livre acesso em espanhol)
creado el 31 de Julio de 2025