Resumo
Antecedentes. Envolver crianças e adolescentes (jovens) que vivem com HIV (JVS) na pesquisa é fundamental para o desenvolvimento de serviços e intervenções adequadas de cuidado em HIV. No entanto, essa população vulnerável pode não avaliar de forma adequada os riscos em relação aos benefícios ao participar de estudos, o que levanta uma preocupação ética. Pouco se sabe, entretanto, sobre como os JVS percebem esses riscos e benefícios. Para subsidiar políticas e procedimentos relacionados à pesquisa, buscamos compreender as perspectivas de jovens quenianos vivendo com HIV, de seus cuidadores e de especialistas no tema sobre os riscos e benefícios da participação em pesquisas, em um contexto de alta carga de infecção por HIV entre jovens.
Métodos. Foi realizada uma investigação qualitativa sobre a identificação, o recrutamento e a proteção de JVS (de 10 a 24 anos) em pesquisas, utilizando entrevistas semiestruturadas com jovens que vivem com HIV e já participaram de estudos, seus cuidadores, jovens sem experiência prévia em pesquisa e outros especialistas. As entrevistas foram conduzidas nos centros de cuidado e pesquisa do programa AMPATH, no oeste do Quênia. As transcrições foram analisadas tematicamente, e temas emergentes foram derivados para caracterizar as perspectivas de cada grupo sobre os riscos e benefícios de envolver JVS em pesquisas.
Resultados. Foram entrevistados 40 jovens vivendo com HIV (50% mulheres; mediana de idade de 17,5 anos), 20 cuidadores (70% mulheres) e 39 especialistas [profissionais de saúde (N = 10), líderes comunitários (N = 10), membros de conselhos consultivos comunitários (N = 4), especialistas em Comitês de Ética em Pesquisa (N = 5), pesquisadores clínicos (N = 6), pesquisadores em ciências sociais (N = 4) e um especialista em laboratório (N = 1)]. Todos os grupos identificaram como riscos da participação em pesquisas: a divulgação acidental do status sorológico para HIV, o estigma e a discriminação, os riscos associados à coleta de sangue, os efeitos sobre a saúde mental e a coerção relacionada à compensação oferecida pelo estudo.
Os benefícios foram agrupados em cinco categorias: clínicos, informativos, pessoais, futuros e comunitários ou familiares. Entre os benefícios relatados estavam o acesso a cuidados de saúde, o aprendizado sobre o HIV, o fortalecimento da esperança e do sentimento de comunidade, a melhoria do cuidado em HIV e a redução do estigma. Todos os grupos de participantes expressaram opiniões amplamente semelhantes; no entanto, os cuidadores foram o único grupo a identificar o uso indevido da compensação como um risco, e os JVS mencionaram com menor frequência os benefícios clínicos.
Conclusão. Esses achados sugerem que os participantes costumam mencionar riscos e benefícios indiretos da participação em pesquisas; contudo, esses aspectos são frequentemente excluídos das diretrizes institucionais para documentação do consentimento. Os pesquisadores deveriam considerar a inclusão desses riscos e benefícios indiretos — como o risco de estigma ou o benefício de adquirir conhecimento e senso de comunidade — na documentação dos estudos.