Se você tem dúvidas de que os americanos perderam a fé em um Poder Superior, veja como adoramos o modelo biomédico da depressão. O modelo biomédico está tão enraizado em nossa cultura que se tornou um evangelho — pregado em consultórios médicos, reforçado pela publicidade e aceito como verdade inquestionável, mesmo tendo sido desmascarado [1]. A depressão nos foi vendida como um simples problema de insuficiência de serotonina, uma narrativa conveniente que enriqueceu muito laboratórios como Eli Lilly, Forest Pharmaceuticals e Pfizer.
Como ex-redatora de publicidade farmacêutica, não apenas testemunhei o crescimento explosivo dos medicamentos antidepressivos, como também contribui para ele. A reformulação da depressão como um problema de química cerebral prejudicada tem sido uma mina de ouro para a indústria farmacêutica, com o mercado global atual de antidepressivos [2] valendo mais de US$ 20 bilhões. Infelizmente, a mensagem de Big Pharma é difícil de reverter uma vez incorporada em nossos cérebros coletivos.
Minha jornada: da faculdade de farmácia ao marketing farmacêutico
Entrei na área de publicidade médica em 1980, recém-saída da faculdade de farmácia e ansiosa para entrar no mundo da comunicação médica. Conseguir meu primeiro emprego como redatora júnior em uma agência de publicidade farmacêutica global na cidade de Nova York foi como um sonho que se tornou realidade. Escrever sobre medicamentos inovadores e explicar a ciência por trás deles era desafiador e significativo.
Na época, não havia publicidade direta ao consumidor, e os laboratórios anunciavam medicamentos apenas para médicos. Igualmente importante, os medicamentos dos meus clientes eram geralmente superiores aos tratamentos existentes, com cada solicitação apoiada por dois ensaios clínicos que demonstravam melhorias clinicamente relevantes na sobrevivência, nos desfechos ou na qualidade de vida. Naquela época, a aprovação da FDA realmente significava algo [3].
Mas, em menos de uma década, vi a indústria se transformar do que eu considerava um negócio ético e inovador em uma máquina de fazer dinheiro sem alma. O que começou como uma carreira maravilhosa, combinando meu conhecimento científico com a escrita criativa, gradualmente se revelou algo muito mais preocupante: eu estava ajudando a fabricar “fatos” sobre doenças e tratamentos que moldariam a prática médica por décadas.
A transformação da indústria: o movimento “Me Too” na indústria farmacêuticaA década de 1980 deu início a uma era de ganância e lucro na indústria farmacêutica. Ela até tem um nome — o movimento “me too” — não aquele sobre assédio sexual, mas aquele em que a criação de marcas bilionárias substituiu a inovação real.
A Big Pharma — já lucrativa e cada vez mais gananciosa — percebeu que a inovação real era cara, arriscada e demorada. Não foi apenas uma mudança no marketing, mas uma transformação completa do modelo de negócios da indústria. As empresas perceberam que podiam pegar um medicamento existente, ajustar uma molécula, registrar uma nova patente e comercializá-lo como uma inovação revolucionária. Em pouco tempo, as empresas passaram de comercializar inovações para comercializar medicamentos praticamente idênticos, e nenhuma classe de medicamentos exemplificou isso melhor do que os ISRS (inibidores seletivos da recaptação da serotonina).
Essa transformação nos negócios exigiu uma grande transformação correspondente na publicidade e no marketing farmacêutico. Empresas que normalmente seriam rivais tornaram-se “aliadas” nos esforços para comercializar seus antidepressivos muito semelhantes. Seu poder de marketing combinado [4] levou a um esforço promocional sem precedentes e cuidadosamente orquestrado que mudou fundamentalmente a compreensão das pessoas sobre saúde mental [5].
A teoria do desequilíbrio químico — especificamente a ideia de que a depressão é causada pela insuficiência de serotonina no cérebro — era, na verdade, uma necessidade de marketing. O Prozac, o primeiro SSRI, foi comercializado como a panaceia para esse desequilíbrio químico, remodelando fundamentalmente a forma como a depressão era percebida e tratada. Para que os SSRIs fizessem sentido como tratamento, a depressão teve que ser reformulada como uma simples deficiência química [6]. Esse esforço de marketing forneceu uma narrativa convincente, posicionando a medicação como uma solução para toda a vida para aqueles com depressão, embora os estudos iniciais com ISRSs tivessem durado apenas seis semanas.
Em 2018, os americanos gastaram US$ 17,4 bilhões [7] anualmente em antidepressivos, destacando o quanto essa narrativa havia permeado o pensamento da comunidade médica e leiga.
Estudo de caso: a teoria da serotonina e o marketing dos ISRSs
Antes da década de 1980, a depressão não era amplamente vista como um problema da química cerebral. Era entendida como um transtorno emocional ou condição melancólica [8] influenciada por circunstâncias pessoais e fatores sociais. Para que as empresas farmacêuticas comercializassem com sucesso os SSRIs, elas precisavam convencer os psiquiatras (e depois os pacientes) de que a depressão era causada por um desequilíbrio químico da serotonina — tudo isso corrigível com uma pílula mágica.
A teoria do desequilíbrio químico era poderosa em sua simplicidade: a falta de serotonina no cérebro causa depressão, e os SSRIs atuam aumentando os níveis de serotonina. Essa narrativa alcançou vários objetivos críticos de marketing de uma só vez. Ela medicalizou a depressão, tornando-a uma doença biológica em vez de uma condição emocional ou social. Ela forneceu uma explicação simples que os médicos podiam discutir facilmente em uma breve consulta. E criou um caminho lógico para a medicação como tratamento de primeira linha. O que não foi amplamente discutido foi a escassez de evidências científicas que apoiavam essa teoria. Em vez disso, a maioria das pesquisas que a apoiavam vinha dos laboratórios das empresas.
A fluoxetina, mais conhecida como Prozac, foi introduzida em 1988 como o primeiro SSRI. A Eli Lilly, empresa por trás do Prozac, financiou estudos e publicou artigos em periódicos científicos reforçando incansavelmente a mensagem de que a depressão era causada pela 5-hidroxitriptamina (5-HT), o nome químico da serotonina.
Ray Fuller, co-descobridor da fluoxetina e bioquímico da Lilly, Charles Beasley, diretor médico da Lilly, e David Wong, neurocientista da Lilly, publicaram vários artigos reforçando a ligação entre a serotonina e a depressão. Um artigo científico de 1991 [9] intitulado “Papel da serotonina na terapia da depressão e transtornos relacionados”, de Ray Fuller, publicado no prestigiado Periódico Journal of Clinical Psychiatry (JCP), forneceu evidências que apoiavam a teoria da serotonina.
Mas havia algo que a maioria dos médicos não percebia. Essa edição específica do JCP era um suplemento do periódico — pago pela Eli Lilly. Ao contrário das pesquisas revisadas por pares, esses suplementos não passam por um rigoroso escrutínio científico — mas os redatores de anúncios médicos os citaram como fontes confiáveis durante anos. Os suplementos de periódicos, que parecem ser periódicos regulares, são na verdade uma forma de marketing pago, servindo como um veículo para promover a pesquisa científica corporativa.
Ainda mais condenatórias são as declarações reveladas ao ler o artigo completo, que começa dizendo que os ISRSs são um tratamento eficaz para a depressão e depois questiona a força da ligação entre serotonina e depressão. Uma leitura mais completa [9] revela que a relação entre o antagonismo 5-HT e os efeitos antidepressivos já era entendida, mesmo naquela época, como mais hipotética do que definitiva, e que a ativação dos receptores de serotonina não era necessariamente o mecanismo que alivia a depressão.
No entanto, não mencionamos essas conclusões específicas em nossos materiais de marketing. A publicidade, em sua essência, envolve a apresentação de um conjunto altamente seletivo de fatos, cuidadosamente escolhidos pelos laboratórios para deixar uma impressão favorável.
Os mecanismos de influência: como o marketing molda a prática médica
À medida que a indústria mudava, eu também tive que me adaptar. Meus colegas e eu nos tornamos os arquitetos de novas formas de publicidade, que expandiram a definição de depressão, apresentaram a teoria da serotonina e até mesmo educaram médicos e pacientes sobre os critérios de diagnóstico da depressão em si [10], a fim de criar mercados cada vez maiores para medicamentos psiquiátricos. O objetivo? Expandir o número de pacientes tratáveis, para que cada empresa obtivesse uma fatia considerável do bolo bilionário dos antidepressivos.
Passei anos criando conteúdo educacional para médicos, incluindo a reutilização de pesquisas sobre antidepressivos em publieditoriais — anúncios desenhados para parecerem conteúdo editorial independente. Essa forma de marketing é especialmente poderosa porque cria a ilusão de informações cientificamente validadas.
Nunca esquecerei de ter participado de uma conferência da Associação Americana de Psiquiatria na década de 1990, onde médicos paravam no estande do meu cliente citando textualmente os anúncios publicitários que eu havia escrito — acreditando que fossem pesquisas independentes. Aquele momento cristalizou para mim o quanto o marketing, quando disfarçado de educação, moldava as práticas de prescrição nos Estados Unidos.
Nossas táticas incluíam:
A influência da indústria farmacêutica sobre a prática médica moderna é profunda, assim como seus orçamentos de marketing, que lhes permitem dominar o fluxo de informações médicas. A maioria das pessoas confia que seus médicos tomam decisões independentes e baseadas em evidências. Mas a realidade é esta: seu médico não passa o tempo livre vasculhando periódicos médicos e livros didáticos à noite e verificando pesquisas de forma independente. Eles estão exaustos demais de atender pacientes, documentar notas em prontuários eletrônicos e lidar com as frustrações do nosso sistema de saúde mecanizado.
Exceto por um pequeno número de especialistas clínicos acadêmicos, a maioria dos médicos obtém suas informações de:
O legado e o caminho a seguir
Os antidepressivos são agora tão americanos quanto a torta de maçã, com impressionantes 24% das mulheres nos EUA relatando ter recebido tratamento para depressão em 2023. O aumento no uso de antidepressivos tem sido especialmente acentuado entre os jovens: desde a pandemia, o uso de antidepressivos mais que dobrou entre meninas de 12 a 17 anos e aumentou mais de 50% entre mulheres de 18 a 25 anos [12]. Esse crescimento explosivo no uso de ISRSs também ajudou a abrir caminho para o crescimento exponencial no uso de todas as drogas psicotrópicas — estimulantes para TDAH e antipsicóticos usados para aumentar os antidepressivos, controlar o transtorno bipolar e tratar problemas comportamentais em crianças, adolescentes e residentes de casas de repouso.
O que foi vendido como uma busca por melhores tratamentos foi, na realidade, uma corrida desenfreada das empresas. A ideia de que a depressão é causada por uma deficiência de serotonina não se consolidou por causa de pesquisas independentes e inovadoras — ela foi agressivamente fabricada pela indústria farmacêutica. A estratégia foi tão eficaz que, ainda hoje, muitas pessoas — incluindo médicos — se apegam a essa crença, apesar das poucas evidências e da ciência questionável. No entanto, na realidade:
Os grandes orçamentos de marketing permitem à indústria farmacêutica amplificar as suas mensagens, enquanto as vozes críticas lutam para serem ouvidas. Os cuidados psiquiátricos modernos não se sustentam na ciência, mas sim nas vendas. É por isso que ouvimos falar mais sobre antidepressivos do que sobre tratamentos comprovados e eficazes para a depressão, como o exercício físico e a terapia cognitivo-comportamental.
Siga o dinheiro e você descobrirá que muitas teorias médicas — como a teoria da serotonina para a depressão — têm origem em uma aliança profana entre a indústria, editoras científicas e pesquisadores médicos.
O que os leitores podem fazer com essas informações? Primeiro, aborde as argumentações sobre “desequilíbrios químicos” com um ceticismo saudável. Segundo, ao discutir opções de tratamento com profissionais de saúde, pergunte sobre as evidências tanto para abordagens medicamentosas quanto não medicamentosas. Terceiro, reconheça que o marketing farmacêutico é desenhado para criar demanda — não necessariamente para fornecer informações equilibradas.
O modelo biomédico da depressão não é uma verdade absoluta — é uma história convincente que foi criada para vender comprimidos. Como sociedade, precisamos resgatar a narrativa sobre saúde mental dos interesses corporativos e retornar a uma compreensão mais holística da saúde mental, que reconheça a importância dos fatores psicológicos, sociais e espirituais para o bem-estar emocional.
Referências